Hélio Schwartsman – Folha de São Paulo
SÃO PAULO – Estou com os transexuais. Não vejo motivo para impedi-los de alterar seu registro civil para que tenham nome e documentos correspondentes ao sexo com o qual se sentem mais confortáveis, independentemente de terem passado por cirurgia ou de apresentarem avaliações médicas e psicológicas.
O cálculo consequencialista aqui é simples. A troca de nome não prejudica ninguém —em tempos de computadores, não é difícil assegurar que a mudança não se torne uma forma fácil de dar o golpe na praça— e é presumivelmente importante para o bem-estar de quem a solicita. Espero que o STF, que está julgando a matéria, chegue à mesma conclusão.
E isso nos leva às cotas. Da mesma forma que cabe a cada indivíduo escolher o gênero pelo qual quer ser identificado, penso que as pessoas têm o direito de definir o grupo étnico ao qual pertencem. Na verdade, esse princípio se aplica com mais força à questão racial do que à sexual, já que a legislação (nº 12.288, artigo IV) estabelece que o critério para a classificação racial é apenas a autodeclaração. Isso significa que basta uma pessoa afirmar que é negra para tornar-se legalmente negra, sem espaço para juízos de terceiros.
E existem bons motivos para que seja assim. A ciência ainda não chegou a uma conclusão sobre se a espécie humana se subdivide em raças. Se nem isso sabemos, não dá para esperar encontrar critérios externos para definir quem pertence a qual grupo, especialmente quando lidamos com categorias intermediárias elásticas, como é o caso dos pardos.
Não fazem sentido, portanto, os comitês de verificação que estão sendo criados em órgãos públicos para evitar que pessoas façam declarações “falsas” para beneficiar-se de cotas. O problema é que não dá para discriminar indivíduos (contra ou a favor) com base em características fenotípicas frouxas. É porque o racismo é objetivamente errado que nem conseguimos enunciá-las de forma coerente.