Fiquei a matutar. Logo de cara, me soou estranha a combinação entre pragmatismo e bolsonarismo – algo como uma salada de tempero amargo, mistura de irracionalidade, estupidez e ódio. Que seja feita a tentativa, vá lá, mas ela se anuncia, desde logo, um fracasso retumbante. Não existe possibilidade de transformar Bolsonaro no que ele nunca foi: um ser caridoso, sensível, preocupado com a dor dos outros. Bolsonaro e humanidade são coisas que não se comunicam.
Recuperei, na memória, imagens horríveis do monstro, palavras de desprezo pelas tragédias que seu governo provocou, ajudou a provocar ou simplesmente acompanhou com frieza. Em todas essas ocasiões, que foram muitas, Bolsonaro gaguejou quando discursos preparados por suas assessorias o levaram a oferecer migalhas de solidariedade às suas vítimas. Foi evidentemente falso em seu desempenho, artista mequetrefe, constrangedor. Na maioria das vezes, os pronunciamentos vieram acompanhados de pontuações complementares, reveladoras da personalidade transtornada do chefe, que procuraram relativizar os dramas coletivos, transferir responsabilidades e vulgarizar a morte.
Bolsonaro é o absurdo convertido em poder, o retrato de um tempo sombrio. Seus crimes continuados, diários e massacrantes foram absorvidos pelo “sistema”, que o tolera. O ser repulsivo vai cumprir a integralidade do mandato que lhe foi dado. Não deveria. Voto popular não é passaporte para tudo, não é licença para a avacalhação da República. São as regras do jogo que dizem isso, e não eu. Regras postas numa constituição que agoniza, com a chancela de homens de farda, toga, terno e armas nas suas mãos sujas de sangue. O silêncio covarde das instituições é cúmplice da barbárie.