ERA UM VELÓRIO despretensioso, sem flores, coroas, faixas de amigos – nem mesmo a garrafa térmica com café frio e o pacote de bolachas secas. Da família, um irmão, dois sobrinhos e poucos amigos, sobreviventes raros e salteados. Do defunto à maioria presente só ateus, a toas, um metido a budista, entre os amigos as Filhas de Maria e um Congregado Mariano. Tudo se encaminhava ao sepultamento rápido, diria mesmo frugal, sem choro nem vela.
ATÉ QUE ELE surgiu, camisa e colarinho de padre, tênis desbeiçado, a mochila a tiracolo. Chegou ali à procura de velório, que finalmente encontrou, fim da busca. Ofereceu-se para falar, convite aceito pela família para não desagradar os carolas. Desandou a falar as coisas sem sentido das missas, em portunhol as mesmices eclesiais. Declarou-se refugiado venezuelano, sem ordem e lotação na Igreja local. Disse que não pedia – mas também não recusava – pagamento.
O BUDISTA, católico em outra encarnação, nariz torcido, fugiu da prédica. “Esse cara é impostor”, um de tantos golpes de ex-bolivarianos. Dinheiro no bolso, o refugiado abraçou os presentes, as mulheres com mais ardor e os dois beijos protocolares. O budista desconfiado topou com ele minutos depois do sermão, o refugiado rezador na loja de conveniência, aboletado a sorver a saborosa Devassa, garrafa de dois litros, as indispensáveis batatas chips a espicaçar a sede.