Bernardo Mello Franco – Folha de São Paulo
Criticar o poder não é para os fracos. Muito menos quando ele se impõe com a força das armas. Em 1964, Carlos Heitor Cony foi uma das primeiras vozes a se insurgir contra o golpe. Já era um escritor de sucesso quando transformou sua coluna Bernardo Mello Franco – Folha de São Paulono “Correio da Manhã” numa trincheira. Sem descuidar do estilo, denunciou o arbítrio e debochou da prepotência dos militares.
Na manhã do 1º de abril, Cony saiu às ruas para ver a história. Em Copacabana, senhoras festejavam com lençóis brancos nas janelas. Perto do forte, um general empilhava paralelepípedos contra a reação legalista. Só quem resistiu foi o cronista. Ele esperou o oficial dar as costas e derrubou a “gloriosa barricada” com a ponta do sapato. O ato de bravura saiu no jornal do dia seguinte, para a fúria dos herdeiros de Caxias.
Era só o começo. No dia 9, Cony escreveu que a “revolução” era conversa fiada. O país vivia, isso sim, “um simples golpe da direita para a manutenção de privilégios”. “Não é hora para o medo”, apelou. Ele não gostava do governo deposto, mas sabia que os intelectuais precisavam resistir.
No dia 14, o escritor acertou outra pedrada. “Já que o Alto Comando Militar insiste em chamar isso que está aí de Revolução –sejamos generosos: aceitemos a classificação. Mas devemos completá-la: é uma Revolução, sim, mas de caranguejos. Revolução que anda para trás.”
“Sem medo, e com coerência, continuo afirmando: isso não é uma revolução. É uma quartelada continuada”, prosseguiu. Os militares ameaçaram invadir sua casa, e ele teve que se esconder com as filhas pequenas. Dois dias depois, estava de volta com o mesmo destemor. Sem ser um homem de esquerda, ainda seria preso quatro vezes pelo regime.
As crônicas contra o golpe estão no livro “O Ato e o Fato”. Ainda são uma leitura prazerosa e atualíssima, como a dos seus romances. Cony escreveu na página A2 da Folha até os 91 anos. Foi um privilégio e uma honra ser seu colega nos últimos três.