Biografias biodegradáveis

— Kafka teve problemas afetivos, profundos e problemáticos com Milena Jesenská, de 1919 a 1923. Kafka, nesse período, escreveu, em seis meses, O Castelo – 1922, quando o Brasil ainda ensaiava a Semana da Arte Moderna.

— Ora, gritou o mestre, Barbara Black, Ph.D. pode ser apenas uma alucinação e vai te levar a escrever um monte de besteiras para engordar a miséria da literatura atual! Tive que me conter, experimentando na boca um sabor amargo de insatisfação provinda daquele insulto: — Frieda, coadjuvante-chave de O Castelo, remete a Friede, que ele alemão quer dizer “paz”.

—   Acredita em paz como fogo de monturo? Abafado mas nunca apagado?

Tome tenência. Avie-se, meu caro. Coteje com a realidade mais clara: está amando a sombra de uma mulher projetada por sua voz maviosa.

— Que Alá me proteja! – Zombei dos fatos, coloquei em xeque a genialidade da vida ao proferir essa expressão terrivelmente religiosa.

A partir daí, a conversa ruiu sem nenhum fragor. Recostei-me na cadeira estofada e joguei os pensamentos mais renitentes pela janela. As pessoas são apenas charmosas ou tediosas. Os pensamentos, idem. A infernal dicotomia que em tudo se instala: isso ou aquilo, assim ou assado. Prefiro a policotomia. Sou uma colcha de retalhos culturais feita para o Verão – e agora é inverno. E tenho que usá-la, mesmo passando frio. Paz. Friede. Peace. Pace.

Quando o raio do amor acertou este coração, sabe que existe amor naquele coração, fiquei Rumi/nando. Barbara, Ph.D., teria que ter amor no coração. Minha sonda-clichê completava mais uma volta na órbita do planeta Amor. Gelado, sem vida, pleno de montes e crateras? Ou verdejantemente vivo e azuladamente inspirador?

O telefone me olhava qual cão de guarda do Inferno. Rosnava, entredentes, a cada pensamento meu para tirá-lo do gancho.

*Rui Werneck de Capistrano não é barata nem nada

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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