boate kiss, seu nome é brasil

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só há um culpado pela tragédia na boate kiss, em santa maria, rio grande do sul, na madrugada de sábado para domingo: o jeitinho brasileiro.

esse jeitinho que muitas vezes nos dá tanto orgulho, é o responsável por um grupo abrir um espaço que abrigue shows, algumas centenas de pessoas e que pense somente no quanto a bilheteria e o bar deram de lucro.

em muitos casos pode nem haver maldade (aqueeeeela maldade!) mas é assim que as coisas são. o empreendedor (ah, o empreendedor!) não pode esperar pelas gigantescas burocracias que o sistema exige. mete os peitos e vai pras cabeças.

abre seu negócio ainda em obras ou faltando isso ou faltando aquilo.

portas de fuga, extintores zerados, iluminação de emergência, vistoria séria, treinamento são detalhes e, se pensarmos bem, num país onde quase ninguém segue qualquer norma de segurança básica, a quantidade de acidentes é minúscula o que faz a tentativa valer a pena.

um sustinho aqui, outro ali, tudo bem. ninguém se machucou? segue a caravana.

os donos da boate kiss, de santa maria, são apenas alguns da imensa confraria de empresários que confiam mais na sorte do que nos bons serviços que deveriam prestar.

e isso vai do boteco pé-sujo da esquina até os grandes empreendimentos imobiliários. vai da creche do bairro até as grandes  usinas.

o jeitinho alimenta uma rede enorme de facilitadores, fiscais e poder público, que se corrompe e que some nessas horas.

a boate kiss era uma iniciativa privada. deveria cumprir as normas da legislação e deveria, por obrigação e por natureza, vender lazer, diversão, alegria e não essa tristeza que a tv tem, tão bem, trazido aos nossos lares.

à prefeitura e ao estado caberiam a fiscalização e a cobrança da lei.

uma tragédia que envolve jovens, cidadãos que teriam toda a vida ainda pela frente carrega uma carga dramática maior a ponto de fazer com que nossa presidente abandone um encontro com líderes sul-americanos e vôe em solidariedade às vítimas gaúchas.

mas, péra!

a kiss era uma boate privada e, como tal, deve ter seus sócios acionados, julgados e, se for o caso, condenados pelas centenas de mortes.

onde está o poder público quando falamos dos flagelados da obsessiva seca nordestina? ou dos mortos em corredores de hospital? e das vítimas de santa catarina, de angra, petrópolis ou xerém? dos prejudicados pelo mal gerenciamento do país? dos sem aposentadoria, dos que quebram e não têm como se levantar? onde estão os donos desse negócio chamado brasil que continuam levando o país sem extintores carregados, portas de emergência, saídas iluminadas, gente educada e treinada e, sempre, molhando a mão de algum espertonildo que oferece dificuldades para vender facilidades?

nesta pocilga, são centenas de mortos diariamente sem direito a choro ou tv.

a boate kiss é o pequeno retrato daquilo que vivemos todos os dias no trânsito das grandes cidades, num projeto de país sempre nos últimos postos quando se fala de saúde, educação e qualidade de vida.

a boate brasil funciona sem rotas de fuga. oferece diversão barata e rápida.

nos próximos dias, haverá uma onde de devassas, multas e muito teatro. aquele faz-de-conta-que-eu-estou-cuidando mas o carnaval está aí e ninguém vai querer estragar a festa.

bóra festejar!

mas, veja lá. nós, como os jovens de santa maria, gostaríamos de nos divertir e de ter a certeza de que, depois da diversão, haverá mais um dia para se viver.

 orlando pedroso

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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