O presidente tem um alto índice de rejeição. É algo que não se resolve nos últimos dias, porque representa o julgamento de todo um governo Esta semana pode ser a última de uma época marcada pela passagem da extrema direita no poder. Bolsonaro se inspirou no governo militar, mas a História não se repete. Ele chegou pelo voto e será despachado pelo voto.
No período militar, a Guerra Fria dominava o contexto, o comunismo era visto como uma grande ameaça. O medo da época concentrava-se muito na estatização, na ameaça à propriedade privada.
Bolsonaro manteve o discurso anticomunista, mas agora centrado nos temas culturais. Os grandes países comunistas não tiveram peso em suas diatribes, mas sim as organizações multilaterais. Agora era preciso defender Deus, pátria e família de elementos morais que poderiam desintegrá-los.
O Brasil era complexo demais para uma visão tão estreita. Mas sua complexidade nos mostrou que há espaço para a extrema direita e que teremos de conviver com ela como uma força considerável, como na França. Possivelmente, aqui como lá, dificilmente será majoritária. Na França, chegou duas vezes ao segundo turno e fracassou.
Não temos no Brasil o combustível que incendeia a extrema direita de lá: os fluxos migratórios, vistos como ameaças ao emprego e ao modo de vida local. No Brasil, a saída para seu crescimento é ficar à espreita, esperando os erros do governo. Pode haver muita gritaria no campo dos costumes, mas ela só tem consequências maiores se a economia não reencontrar um ritmo de crescimento sustentável.
Ainda assim, mesmo com o país crescendo, surgem problemas: uma concentração apenas nas melhorias materiais, como se isso fosse o único objetivo nacional, e, eventualmente, a tendência à corrupção.
Não vejo como exercício inútil falar dessas preocupações na que pode ser a última semana de Bolsonaro no governo. A derrota da extrema direita é essencial, a maioria parece decidida a realizá-la e, sinceramente, não há no horizonte nada que possa mudar esse quadro no domingo.
Bolsonaro tem um alto índice de rejeição. É algo que não se resolve nos últimos dias, porque representa o julgamento de todo um governo, a soma de todas as falas e ações de um presidente. A tentativa mais audaciosa, a criação de um novo auxílio emergencial, acabou fracassando porque os mais pobres continuam votando no adversário.
Alguns jornalistas chamavam a emenda que criou o auxílio de Kamikaze porque desequilibrava o Orçamento. Resisti a esse nome, porque os pilotos kamikazes na Segunda Guerra Mundial colocavam a própria vida em risco, e não o dinheiro dos outros. Olhando para trás, creio que estava equivocado. De certa forma, era uma emenda Kamikaze: Bolsonaro colocaria todas as esperanças nela, e sua campanha explodiria como um avião japonês pilotado por um suicida.
Certamente, minhas preocupações atuais estão fora de época. O que acontecerá com a derrota de Bolsonaro será uma grande celebração. Mas, assim que passar a festa, certamente haverá espaço para esta pergunta, para mim indispensável: como evitar que aconteça de novo?
Basta considerar a Floresta Amazônica e concluir, depois de tanta devastação, que um novo período de barbárie simplesmente arruinará as chances futuras do Brasil, que dependem de sua riqueza natural.
Bolsonaristas radicais fizeram um grande auê no funeral da rainha e disseram que a BBC não era bem-vinda em Londres. Nada impedirá que continuem falando bobagens; se voltam ao poder, continuaremos resistindo, mas nas ruínas do que chamávamos o país do futuro.
Agora, que está quase acabando, nada mais razoável do que intensos estudos sobre como começa, o que come, onde a serpente bota os ovos, qual o antídoto para movimentos tão raivosos. Vivemos uma tempestade perfeita. Há o que comemorar, mas como esquecer quase 700 mil mortos? Não podemos mais suprimir a solidariedade, a compaixão num país em frangalhos.