A cúpula do governo brasileiro, como se não tivesse nenhum outro problema para resolver no país, passou o fim de semana discutindo o destino da Copa América, ameaçada por um motim da comissão técnica e dos jogadores da seleção.
Bolsonaro e ministros já tinham até acertado a troca do técnico Tite pelo bolsonarista Renato Gaúcho, segundo informou em primeira mão o repórter André Rizek, do Grupo Globo, mas no final da tarde de domingo estourou a bomba: acusado de assédio sexual por uma funcionária da CBF, o presidente Rogério Caboclo foi afastado por 30 dias pelo Conselho de Ética da entidade.
Tite vinha sendo acusado nos últimos dias nas redes sociais bolsonaristas de ser um perigoso comunista que quer prejudicar o governo por motivos políticos.
Meio século atrás, nas voltas que a vida dá, sem sair do lugar aqui no Brasil, às vésperas da Copa do Mundo de 1970, no México, um outro técnico da seleção, o polêmico João Saldanha, também foi tirado do cargo pelo governo da época, acusado de ser comunista, mas esse era assumido, nunca escondeu sua carteirinha.
Nem sei o que Tite pensa de política, mas é certo que sua decisão de se unir aos jogadores tem outro motivo: a insanidade de trazer de improviso para o Brasil essa Copa, recusada por outros dois países, em meio à terceira onda da pandemia que já deixou quase 500 mil mortos.
A parceria de Bolsonaro com Caboclo juntou a fome com a vontade de comer: os dois enfrentam sérias crises de governança, por razões diferentes, e resolveram oferecer um pouco de circo para distrair a atônita plateia. Era um bom negócio para os dois e a Conmebol, que já tinha vendido os patrocínios e os direitos de transmissão pela TV (no Brasil, para o SBT de Silvio Santos), e corria o risco de ficar com o mico na mão, depois da desistência de Argentina e Colombia.
Como seria inimaginável promover a Copa aqui sem a participação da seleção brasileira, Bolsonaro resolveu entrar em campo e trocar o técnico, pensando que é a reencarnação do general Garrastazu Médici, o ditador que trocou João Saldanha por Zagalo, um aliado do regime, assim como Renato Gaúcho. E ainda dizem que não se pode misturar futebol com política e que a história não se repete.
Rogério Caboclo já tinha até decidido que, se a seleção de Tite se recusasse mesmo a participar dessa micareta futebolística, outros atletas seriam convocados pelo novo treinador, como informou Lauro Jardim, em sua coluna no Globo.
As questões sanitárias nem entraram em discussão nas negociações de Bolsonaro e Caboclo, que têm problemas mais sérios para resolver nas suas vidas. O início da Copa América está marcado para o próximo domingo, mas agora ninguém sabe o que pode acontecer.
“Estamos preparados para essa possibilidade de motim”, ouviu Jardim de um ministro com assento no Palácio do Planalto. Quem assume o lugar de Caboclo é o vetusto cartola Antonio Carlos Nunes de Lima, mais conhecido como Coronel Nunes, por ser o mais idoso dos oito vice-presidentes da CBF.
Será que ele manterá o plano acertado com Caboclo para demitir o técnico Tite logo após o jogo de terça, no Paraguai, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, e chamará Renato Gaúcho para o seu lugar? Acho muito difícil.
Ou Tite e os jogadores, apesar da saída de Caboclo, que tinha entrado em conflito com a seleção, levarão adiante a disposição de não disputar essa Copa América no Brasil por razões sanitárias e de bom senso? Até domingo, muita água ainda vai rolar entre o governo e a seleção. Apertem os cintos, passageiros da agonia deste circo de horrores. Vida que segue.