Borges, by Fernandes, o moço de Avaré.
eu
Uma caveira, o coração secreto,
Os caminhos de sangue que não vejo,
Os túneis de um sonho, esse Proteu,
As vísceras, a nuca, o esqueleto.
Tudo isso sou eu. Incrivelmente
Sou também a memória de uma espada
E a de um solitário sol poente
Que se dispersa em ouro, em sombra, em nada.
Sou o que vê as proas lá do porto;
Sou os contados livros, as contadas
Gravuras pelo tempo fatigadas;
Sou o que inveja aquele que está morto.
Mais raro é ser o homem que entrelaça
Palavras num dos quartos de uma casa.
Jorge Luís Borges (1899-1986), do recém-lançado “poesias” (Cia. das Letras) que reúne num só volume, de quase 700 págs., em edição bilíngüe, os últimos sete livros de poemas produzidos por Borges, de 1969 a 1985. Empreendimento tradutório da também poeta Josely Vianna Baptista e que a confirma como a mais importante tradutora do espanhol para a língua portuguesa, possivelmente de todos os tempos. Wilson Bueno.