O capitão depende dos erros dos comissários
Há um novo Bolsonaro na praça. É muito parecido com os anteriores, mas tem a marca do candidato. Abandonou algumas causas perdidas, parou de falar das vacinas e esqueceu a cloroquina. Tenta se dissociar do aumento dos combustíveis: “Vilões são a roubalheira na Petrobras e o ICMS”.
A falta de fôlego dos candidatos da 3ª via leva-nos para a desejada polarização Bolsonaro x Lula. Há quatro anos, o comissariado petista achava que Bolsonaro seria o candidato mais fácil de derrotar. Deu no que deu.
Apresentar Lula como uma ameaça às instituições democráticas é uma carta amarelada: ele governou o país por oito anos sem ofendê-las. Ameaças houve, aqui e ali, sem a ênfase e a insistência das investidas de Bolsonaro.
As campanhas eleitorais têm suas dinâmicas próprias. Se caixas, tempo de televisão e as costuras dos primeiros meses do ano decidissem a parada, o Brasil estaria sendo governado por Geraldo Alckmin. Cada candidato precisa dos erros do outro e nem sempre os erros são percebidos como tal.
Em janeiro, o deputado Rui Falcão, ex-presidente do Partido do Trabalhadores, quadro que passou pelo poder sem se lambuzar, disse ao repórter Ranier Bragon que a campanha, por “aguerrida”, precisaria da “construção de comitês de defesa da eleição do Lula que permaneçam depois como comitês de apoio do programa de transformação”.
Em fevereiro, durante uma reunião do Partido dos Trabalhadores, tratou-se da criação de cinco mil comitês, com a participação de partidos aliados. Divulgou-se que eles trabalhariam na campanha e também depois dela, para assegurar a posse.
A partir de janeiro de 2023, os comitês continuariam ativos. Nas palavras de Alberto Cantalice, diretor de comunicação da Fundação Perseu Abramo, “se ganharmos as eleições, a gente vai ter que mobilizar o povo para exigir o cumprimento do programa de governo.”
Imagine Jair Bolsonaro propondo a mesma coisa. Vem logo à memória a formação de milícias. Lula não é Bolsonaro, mas na sua banda do espectro político, onde estão simpatizantes da experiência cubana, do chavismo venezuelano e do orteguismo da Nicarágua com seus comitês de defesa do regime. De pouco adiantará o exemplo das Comisiones Obreras chilenas e espanholas para quem quer instrumentalizar o medo.
No Brasil, uma experiência parecida desmanchou-se no ar. Foram os Grupos dos Onze de 1964. Serviram apenas para assustar a classe média, porque na hora da onça beber água, sumiram. (Um posto de alistamento criado na manhã de 1º de abril de 1964 no Teatro Nacional de Brasília, cadastrava voluntários. Cadastro com nome, telefone e endereço serve para facilitar emprego. Os voluntários passaram horas queimando as fichas.)
Propostas desse tipo geralmente não passam de promessas de campanha, como a do bujão de gás a R$ 35, feita por Bolsonaro. A diferença do bujão do capitão, é que não podia ser instrumentalizado pelos adversários.
Faz tempo, Brian Jenkins, um dos fundadores da empresa de segurança Kroll e ex-responsável pela seção de estudos de terrorismo da Rand Corporation, ensinava:
“O Minimanual do Guerrilheiro Urbano” de Carlos Marighella é um pacote de platitudes inúteis. Serviu para dar à esquerda a ideia de que tinha um manual e para botar na direita o medo de que a esquerda o tivesse.”