Existem os mais variados equívocos sobre o candidato Jair Bolsonaro no tocante às suas reais intenções políticas. O mais marcante é fazer dele o líder de uma transformação de direita, na liderança de um ataque rigoroso ao aparelhamento político e cultural promovido pela esquerda no país, em conjunto com uma mudança de rumo da sociedade brasileira para um caminho conservador em comportamento e liberal na economia.
Será pesada a frustração de quem tem essa expectativa. Na hipótese da sua eleição para presidente, pelo que se sabe até agora desse político a única previsão razoável encaminha para vê-lo no futuro como um sub-Sarney, cercado de problemas graves e das variadas necessidades brasileiras inadiáveis e sempre sem conclusão, tendo ao lado os políticos mais aproveitadores deste país farto em salafrários. O plano pessoal de Bolsonaro não vai muito além de prosseguir com o estupendo enriquecimento dele e dos filhos, empreendimento para o qual tem se aproveitado da política, até cair do céu para ele a possibilidade de ser presidente.
Não deve ser subestimado o estrago político que sua eleição pode provocar ao país, porém uma parcela ínfima dessa tragédia virá de uma doutrina política. Jamais colocaria em dúvida as más intenções do candidato do PSL, no entanto nada do que pode ser provocado por ele na vida brasileira virá de um propósito formalmente organizado em teoria ou numa ideologia. Ele é incapaz disso, do mesmo modo que é plenamente incapacitado para tocar um governo.
Andei vendo algumas análises que relacionam sua ascensão ao estabelecimento de um regime fascista, inclusive com alusões ao que ocorreu com Adolf Hitler, no período inicial de sua subida ao poder, no começo fazendo uso das regras políticas vigentes na Alemanha da década de 30 do século passado. Cabe lembrar que mesmo a tragédia nazista tendo sido iniciada por meio do voto, Hitler não era um fenômeno de popularidade antes de subir ao poder. Ainda protótipo de ditador, o führer animava apenas poucos parceiros de copo em cervejarias. E as diferenças não param por aí.
O grau de conturbação político-social que pode ser criado com Bolsonaro no governo, ainda mais tendo na oposição um PT que deverá regredir ao que já foi de pior historicamente, poderá de fato agitar um caldo de cultura de bom proveito para um plano de imposição de um regime que passe por cima da democracia brasileira. Mas não vejo no próprio Bolsonaro qualidades pessoais para liderar algo parecido.
Claro que isso não atenua o perigo de sua eleição, até pelo fato da tentação autoritária ter sido sempre o centro de seu discurso político. Mas se for ocorrer algo nessa linha, o problema virá de figuras ainda encobertas nessa confusão política e ideológica que empurrou o Brasil para uma condição muito delicada, que só tem similar no período anterior ao golpe militar de 1964, que desgraçadamente resultou exatamente no regime que voltou a ser assunto, de forma distorcida, numa leitura histórica totalmente errada, na memória de pura propaganda que embala esse fanatismo tosco.
Ainda que não tenha sido grande coisa no plano ideológico, até o regime de 64 possuía muito mais base de pensamento do que essa mixórdia bolsonarista gritada nas ruas e replicada nas redes sociais. E ao contrário do mito surgido da mais profunda ignorância, o que o legado dos militares na política teve mesmo de grandioso foi a inflação deixada quando saíram do poder, além de uma variedade de complicações que, como se vê, estão aí até hoje. Se vier um retrocesso a partir da eleição de Bolsonaro, ironicamente isso ocorrerá na forma do jargão marxista. Virá como uma farsa, na repetição de uma história que não deu certo.