Está saindo pela Editora Aleph (SP) uma edição comemorativa dos 50 anos de “Laranja Mecânica” de Anthony Burgess. É um clássico da ficção científica psicossocial. O romance pressupõe três coisas: 1) a proliferação de gangs criminosas de jovens urbanos, num grau que a Londres de 1962 mal seria capaz de imaginar); 2) a utilização, pelo Estado, de técnicas de lavagem cerebral, ou condicionamento por aversão; 3) a contaminação da gíria dos jovens londrinos com termos vindos da língua russa. É uma FC voltada para a sociologia e a psicologia. Não precisa de aliens, espaçonaves, pistolas de raios.
Burgess escreveu o livro numa Inglaterra cujas principais tribos de delinquentes juvenis eram os mods, os rockers e os teddy-boys. Eram a “juventude transviada” de uma época em que o rock começava a fazer soar seus primeiros acordes e as drogas eram consumidas em pequenos focos isolados. Ele tentou revestir sua extrapolação futurista de traços não-realistas, para ressaltar seu lado alegórico: roupas, hábitos, linguagem. Queria que a violência do livro fosse “mais simbólica do que realista”. Não previu que seu livro e o filme resultante, de Stanley Kubrick, se transformariam em influência e (em alguns aspectos) em modelo.
A tradução de Fábio Fernandes enfrenta com criatividade o desafio de ter que inventar e adaptar palavras o tempo todo. O mais interessante desta edição comemorativa é a inserção de textos e entrevistas de Burgess, em que ele conta uma viagem sua a Leningrado, explica a origem do título, e faz uma avaliação de suas intenções ao escrever o livro. Ele quis fazer uma discussão sobre o livre-arbítrio – um criminoso tem tanto direito a fazer escolhas quanto nós? “O homem ou a mulher que nunca fez o mal não pode saber o que é o bem”, diz Burgess. “Não sei a medida de livre-arbítrio que o homem possui de verdade, mas sei que o pouco que parece ter é precioso demais para ser usurpado, por melhores que sejam as intenções do usurpador”.
Burgess afirma que o editor norte-americano de “Laranja Mecânica” decidiu cortar o 21º. capítulo da edição inglesa. Achava esse capítulo (que mostra um Alex mais amaciado, menos radical, preparando-se para entrar na vida adulta) “britânico demais, ameno demais”. (Este capítulo está incluído na edição brasileira.) Segundo Burgess, foi essa edição incompleta que Kubrick adaptou para o cinema. Por que Burgess não protestou, não interferiu, não os processou?Talvez porque tenha visto nesse corte um exercício do livre-arbítrio alheio. A possibilidade de dois finais diferentes para a história meio que simboliza a nossa liberdade (e paradoxalmente a nossa obrigação) de escolher. [2 de janeiro, 2013]