O elevador era silencioso, macio, quase sem inércia. Estirei o corpo na chaise-longue até chegar ao 235o. andar do edifício-sede da Star Tech, onde Benedict Willhauser, vice-diretor de divulgação, me recebeu em tapetes de vison sintético. Tínhamos estudado juntos em Yale e ele me concedeu o privilégio de uma entrevista pessoal.
“O livro mudou de natureza sem perder seu fascínio”, falou, quando nos sentamos em poltronas invisíveis, campos de força eletromagnéticos que resistem e se amoldam ao peso do corpo humano. “Poucas pessoas de fora da empresa manusearam este protótipo. Queremos sua opinião. Se quiser bancar o advogado do diabo, fique à vontade. Nós aqui estamos tão entusiasmados com o produto que algum defeito dele talvez nos escape. Seu feedback é essencial”. Sentamos diante de um cubo de metal, num canto da enorme sala. Ele digitou comandos.
O livro era uma pequena nuvem acinzentada de coruscantes grãos em preto-e-branco, vagamente esférica, flutuando a meio metro de altura. Enfiei nas mãos as luvas (que tinham formatos e consistências diferentes), e mergulhei as mãos ali dentro. Foi um choque elétrico de um milhão de volts no cérebro, mas sem dor, sem incômodo, apenas um surto quase insuportável de luz, de lucidez.
E me veio a lembrança nítida, vívida, de tudo que havia ali dentro. Digo lembrança pela sensação de familiaridade com cada frase, cada ilustração, cada abertura de capítulo ou nota no índice remissivo; como um livro lido e relido ao longo da vida inteira, debulhado com gosto e conhecido quase de cor, que folheamos depois de algum tempo enquanto sentimos nosso espírito se deleitar com aquele reencontro. Um livro com um milhão de páginas que eu enxergava simultaneamente e era capaz de comparar uma a uma, ou de cem em cem. E vi (sim, vi!) cada espiral de DNA do meu corpo se retorcendo e recompondo, recebendo uma quinta letra.
Fiquei mergulhado ali, lendo, lembrando, passeando pelo passado e pelo futuro… Quando retirei as mãos da nuvem, Willhauser estava de pé junto à janela, onde o sol estava terminando de se por. “Não deveriam ter criado isto”, falei. “Sim”, disse ele, “isto destruirá todos os tablets, iPads, todo o conceito do livro-pixel, da leitura visual, do texto pousado sobre uma superfície. Texto e mente agora serão uma coisa só”. Esfreguei os olhos; minha mente ainda ardia numa adrenalina selvagem de frases e imagens 3D. “É o fim do livro eletrônico?”, perguntei. “Ou o começo do livro biológico”, disse ele, voltando-se para mim e tirando os óculos escuros. Por entre as pálpebras, seus olhos eram duas réplicas da nuvem, e entendi naquele instante que de agora em diante os meus também.