Em 2004, recebi do Campana o original desta obra e o convite para escrever um texto, publicado na orelha da primeira edição de O Último Dia de Cabeza de Vaca (Travessa dos Editores, 2005). Desde a leitura inicial estava sinalizado que – mais até que ficcionalizar as desventuras do viajante espanhol que esteve na América com a finalidade de localizar fontes de riqueza – o Fábio inventou uma estratégia para falar sobre vaidade e poder.
“Creio que ninguém que tenha experimentado o poder, mesmo que por muito pouco tempo, esquecerá a sensação de potência que atribui aos homens. Ao perdê-lo, jamais deixará de tentar recuperá-lo”. O fragmento é a voz do voz do narrador do livro, um padre, o personagem Francisco Paniagua, que – na ficção – reconstitui o percurso de Álvar Núñez Cabeza de Vaca (ele pode ter nascido em 1488 ou 1490, e o ano de sua morte também é impreciso: 1557, 1559 ou 1564).
Mas, e a observação é detalhe de quem conviveu com o autor, o trecho citado há dois parágrafos até parece a voz do Campana, observador da cena política no Paraná, e no Brasil, desde a segunda metade do século XX. O Fábio compreendia o comportamento humano e traduziu o seu vasto conhecimento nesta ficção, incluindo outro assunto que ele, autor, comentava – o abismo entre o oficial e a realidade:
“Eu não me prendo aos relatos oficiais porque sei que eles não expressam a verdade como a ouvi da boca de Don Álvar, nas noites lentas e insones de Assunção, antes e depois de sua derrota. Uma galeria de sombras. Sei a diferença entre as versões que foram enviadas à Corte para sensibilizar seus membros mais destacados, procurando a proteção da justiça torta.”
O fragmento é o ponto de vista do narrador, o que me faz lembrar o Fábio comentando sobre tudo, e até parece ficção: amanhã (29 de maio) faz 1 ano que ele partiu. Evidentemente não quero sugerir que a voz do narrador é a mesma do autor, na obra há tratamento literário, linguagem. Mas ao reler O Último Dia de Cabeza de Vaca reencontro sim o Fábio Campana, inesquecível, que em 2002 o Jamil Snege (1939-2003) me apresentou – para sempre.