Caco Galhardo e Adão Iturrusgarai completam 20 anos de ‘Ilustrada’

caco-galhardoHoje está tudo virado. Caco Galhardo é Adão Iturrusgarai, Adão Iturrusgarai é Caco Galhardo. Os dois foram convidados a fazer um troca-troca: a brincadeira era um desenhar como se fosse o outro, porque ambos completam, nesta terça-feira (26), 20 anos na Folha.

Caco, 48, escolheu o Homem Legenda, personagem de Adão, 51, que revela o veneno atrás das frases mais insuspeitas. Adão foi de Alcino, sujeito traído pela mulher que exibe uma robusta galhada na cabeça.

Muita tinta correu em duas décadas. Naquela sexta de 1996, Caco apresentou “Os Pescoçudos”. E Adão trouxe Aline, a menina que morava –e namorava– com dois caras, na tira “Big Bang Bang”.

Há 20 anos, Adão morava no Brasil –hoje está na Argentina, sossegado e com dois filhos. Caco continua em São Paulo, mas aprofundou seu trabalho como roteirista.

A reportagem conversou com os dois na casa de Caco. Adão, é claro, falava através da tela do computador. Eles se cumprimentam. Caco comenta como o amigo está bem na Argentina.

“O Brasil é muito selvagem, cara”, responde Adão. “Os caras inventam uns eventos de merda, esse negócio de Copa e Olimpíada. Os caras são débeis mentais.”

“Mas você era um selvagem aqui no Brasil. Você não sente falta?”, rebate Caco.

“É um jeito de me manter saudável, eu era um cara mais do ‘wild side'”, ri Adão.

Eles continuam a fazer piadas nas tiras –mas viram surgir nos quadrinhos nacionais obras mais líricas, distante do humor dos dois. Algo na linha do uruguaio Troche e do argentino Liniers.

“A gente tem que continuar com o pé na porta até o final. Esse negócio aí de muito lirismo enche o saco. Eles acham que vão pegar mais menina, porque não ofendem ninguém, fica parecendo que leram uns livros…”, provoca Adão.

OFENSAS

Ambos ainda esticam a corda na hora de criar –e ofender é o risco que correm. Nesses 20 anos, já brigaram com um mundaréu de gente: mulheres, portugueses, dentistas, anônimos na internet. De vez em quando, aparece um grupo com o dedo em riste.

Caco se lembra de uma leitora que sempre reclama de suas tiras de domingo, da série “Colírio”, com mulheres em poses lânguidas.

“Ela se sente ofendida com um homem desenhando mulheres assim. Virou uma histeria isso. Você está proibido de mexer com erotismo”, diz Caco.

“Se passasse aquela gostosa hoje na frente do Tom Jobim e do Vinicius, eles não iam mais fazer ‘Garota de Ipanema'”, concorda o amigo.

Adão também teve suas encrencas, como em uma tirinha em que um paciente questionava um dentista sobre o preço do pivô, do implante e do boquete. Foi um deus nos acuda. “Pô, não era uma crítica aos dentistas! A frase era do paciente!”

SEM POLÍTICA

E há as esquisitices também, é claro: outro dia, Adão diz ter recebido mensagem de uma mulher que se dizia “pão-sexual”, porque transava com uma baguete.

Depois de tanto tempo, os dois têm algo em comum: estão passando longe do humor político. Caco acha que “o cinismo” é tão grande que fazer graça com o poder não tem mais o mesmo efeito.

“Parei de me preocupar com canalhas. Outro dia o Angeli descobriu que o Sarney colecionava as charges dele! Aí não dá. Por que vou fazer isso se o cara está colecionando?”, afirma Caco. “Antes, se você desse um tapa na cara, tinha uma consequência.”

Adão, que conta ter sido comunista dos 13 aos 16 anos, embora nem soubesse quem era Che Guevara, hoje está próximo do anarquismo.

 “Mudei tudo, só não mudei de sexo. Estou na linha do Millôr, acho que é tudo canalha.”

Ele deixou para lá muitos de seus personagens –como Aline e os caubóis Rocky e Hudson. “Poliamor hoje é normal”, afirma Adão.

Já Caco passou a usá-los mais do que antes, como reflexo de seu interesse na dramaturgia. “Chegou uma hora em que comecei a misturar os personagens.”

Se a pena da dupla continua afiada como antes, o mesmo não se pode dizer do copo: eles, que gostavam de se divertir, agora tomam cuidado. “Nessa idade, não temos ressaca, ficamos doentes”, diz Caco.

Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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