Na condição de advogado inativo e do tempo do preto no branco, em que petição se fazia por escrito em papel e era assinada de próprio punho pelo peticionário, solicito publicamente que uma alma caridosa e bem informada me explique onde foi encontrada a parcialidade do juiz Sérgio Moro no julgamento da ação penal que resultou na condenação de Luiz Inácio Lula da Silva.
Vamos aos fatos: o ex-presidente foi denunciado pelo Ministério Público Federal pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro relacionadas à aquisição de um apartamento tríplex em Guarujá, SP. O processo teve o seu trâmite legal na 13ª Vara Federal de Curitiba, da qual era titular o juiz Sérgio Moro. O magistrado acatou a denúncia e, depois de cumprir todas as formalidades legais, inclusive com a concessão de ampla defesa ao denunciado, condenou-o a nove anos e seis meses de prisão. A sentença não só foi confirmada pelos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, como ampliada a pena.
A defesa de Lula protocolou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, de Brasília, que foi rejeitado pelos ministros, mantendo-se a decisão de Moro.
Em decorrência disso, Luiz Inácio foi recolhido à prisão, onde permaneceu 580 dias, até novembro de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu mudar o entendimento por ele mesmo estabelecido em 2016 e derrubar a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância.
Nesse meio de tempo, o site The Intercept vazou gravações de conversas telefônicas entre o juiz Moro e o procurador da Justiça Deltan Dallagnol, criminosamente colhidas – e, portanto, imprestáveis juridicamente –, nas quais há troca de informações sobre o processo em andamento.
Isso levou o lépido advogado de Lula a pleitear junto ao STF a suspeição de Sérgio Moro. Através de habeas corpus! A questão foi distribuída para a Segunda Turma da Corte Superior, onde reinava (e creio que ainda reina) o ínclito ministro Gilmar Mendes. Este, desafeto declarado do juiz Moro, conduziu a maioria dos ministros ao acatamento da parcialidade do julgador paranaense e à anulação das decisões de Moro no caso do tríplex. Segundo a defesa de Lula, a parcialidade fora demonstrada pelo fato de Moro haver aceitado o convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça (!).
Na oportunidade, o recém chegado ministro Nunes Marques ainda argumentou que a alegação de suspeição de Sérgio Moro já fora objeto de análise, inclusive pelo Supremo; que o habeas corpus não era o meio adequado para o exame de suspeição; e que as conversas divulgadas entre o juiz e o procurador foram obtidas de forma ilícita e, portanto, são inaceitáveis.
Na quarta-feira 23/06, o Plenário do STF, por 7 votos contra 4, confirmou a decisão da Segunda Turma, resultando vencidos os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux. .
Marco Aurélio, com jubilação agendada para o próximo dia 12, fez questão de defender a Operação Lava-Jato e a atuação do juiz Sérgio Moro, a quem chamou de “herói nacional”. Garantiu, também, que os diálogos em que Moro e os procuradores combinavam estratégias sobre a condução dos processos contra Lula “não tem nada demais”. E realçou que tais conversas não podem ser usadas como prova, já que as gravações foram realizadas de forma ilícita. Seu voto não conseguiu alterar o resultado do julgamento, já consolidado, mas serviu de registro da injustiça cometida por seus nobres pares.
Indago, pois: onde está a parcialidade de Sérgio Moro no julgamento do tríplex de Lula? No fato de o juiz haver aceito o convite para o Ministério da Justiça de Bolsonaro? Isso não foi parcialidade; foi burrice.
O processo de Lula – repita-se – seguiu o rito normal e habitual na 13ª Vara Federal de Curitiba. O réu teve toda a oportunidade de defesa e a exerceu à exaustão, inclusive com a apresentação de provas. O contraditório foi amplamente exercido. A sentença condenatória – calcada no contido nos autos, na prova, inclusive filmada, na lei e no Direito – foi confirmada por dez juízes de instâncias superiores, que reconheceram expressamente a correção da decisão de Moro e a culpa de Luiz Inácio Lula da Silva. Estariam todos mancomunados com Sérgio Moro?
Já disse aqui e repito para os recém-vindos: sou filho de promotor de Justiça; bisneto, genro, sobrinho e primo de juízes e de procuradores de Justiça. A toga e a beca fizeram parte de toda a minha vida. Como se não bastasse, passei 35 anos dentro do Tribunal de Justiça, conheço-lhe os caminhos e os descaminhos. E garanto-lhes, com absoluta certeza: conversas entre juízes e promotores/procuradores, inclusive em processos em andamento, é coisa corriqueira, habitual e banal, assim como entre juízes e advogados. E não será isso que afetará a decisão do magistrado – desde que ele seja decente, operoso e bem intencionado, como sempre foi o Dr. Sérgio Fernando Moro.
Ademais, também já afirmei neste espaço: o Ministério Público não é parte em processo judicial. É uma instituição pública – como a magistratura – que vela pela observância das leis e promove-lhes a execução.