Brasília está vivendo um momento de casa tomada e de espelhos quebrados. Os deputados Ricardo Barros e Arthur Lira, expoentes do Centrão, estão no centro de uma explosiva crise política e institucional que pode afastar seu amigo Jair Bolsonaro da presidência. O líder do governo foi denunciado na CPI que investiga contratos irregulares na compra da vacina indiana Covaxin, na base de propina de um dólar para cada dose. Ao mesmo tempo, sobe a pressão sobre o todo poderoso presidente da Câmara, que controla o orçamento e o destino do presidente.
Um “superpedido” de impeachment, reunindo outras 123 solicitações, foi protocolado na secretaria da Casa, apontando a prática de 23 crimes de responsabilidade. Os dois deputados agem com liberdade para negociar acordos à base de troca de favores e ameaças de chantagem aos que resistem, como ocorreu com Eduardo Cunha no processo contra Dilma Rousseff. Os três mosqueteiros são integrantes de um agrupamento que domina o Congresso Nacional, denominado vagamente de Centrão. Parece algo inofensivo. Eles não têm ideologia, projetos políticos nem compromissos com o futuro do país.
Estão sempre de paletó e gravava e tratam-se cerimoniosamente por vossa excelência. Uma parte é constituída de evangélicos, que propagam negócios com suas igrejas. Foram eleitos como representantes do povo. Andam de carro preto com motorista, que conduz suas mulheres e filhos nos afazeres do dia. Muitos responderam e outros respondem a processos de corrupção ou agressão a mulheres. Nada que os incomode. São amigos dos juízes que lhes devem favores. Andam armados e são sócios de Bolsonaro em diversas empreitadas.
Constituem parte substancial do atraso brasileiro. Quando apanhados em flagrante e encurralados, jogam pesado. São capazes de mandar matar seus acusadores e adversários políticos. Formam uma casta dominante civil, conhecida nos escritórios jurídicos e rodas boêmias de Brasília como “cães de aluguel”. São íntimos de lobistas, subornam funcionários e cobram caro por seus votos. Agem de forma diferente da dos personagens de Quentin Tarantino no filme, mas há entre eles uma ligação sugestiva representada pela delinquência.
Em Cães de aluguel, o filme, cinco bandidos assaltam uma joalheria para roubar diamantes. Um deles é ferido na ação e outro torna-se suspeito de ser traidor. Na fuga, num ambiente de tensão, extrema violência e muito sangue, como é próprio de Tarantino, escondem-se num galpão. Harvey Keitel, Steve Buscemi, Tim Roth e Michael Madsen, qual dos personagens bandidos é o infiltrado? A honra dos mafiosos é paga com sangue.
Nos palácios e nos corredores do Congresso em Brasília, o ambiente também é de tensão e apreensão. Dois dos mais eminentes cães de aluguel do Centrão estão encalacrados. Terão que responder nominalmente por seus atos suspeitos. Convocado para prestar esclarecimentos à CPI, Barros se recusou a deixar a liderança e disse que sabe se defender Sua situação se complicou.
Há na mesa da CPI documentos que mostram seu envolvimento num contrato de R$ 1,6 bilhão do Ministério da Saúde com sócios da empresa representante da Covaxin. O acordo é alvo de investigação do Ministério Público Federal. Nem Bolsonaro nem Lira saíram publicamente em sua defesa. Base do governo Bolsonaro na Câmara, o Centrão é constituído por um amontoado de siglas anódinas. Um deputado da família canina isolado pela pandemia em seu Estado não vale nada, mas integrado ao grupo seu voto ganha peso e rende dividendos para o seu patrimônio.
Ricardo Barros é do PR. Arthur Lira, o poderoso comandante da organização, é do PP. Sua liderança encontra-se diretamente ameaçada pela pressão das ruas defendendo a vacina e o impeachment e pelo andamento das CPI. Ruas e CPI começaram a andar com mais velocidade e a trazer fatos novos. Sábado, dia 3, partidos de oposição e organizações sociais voltam às ruas com novas manifestações pelo ForaBolsonaro. Lira já se sente incomodado pelo peso da pressão.
Se for um verdadeiro pistoleiro de aluguel, pode cair atirando. A ultrapassagem de Lula nas pesquisas para 2022 fez Bolsonaro elevar o tom de suas agressões chulas à imprensa. São dados que mudam o cotidiano e a maneira de sentir a realidade, criando o suspense de um tremor. Estão em jogo nada menos do que a liberdade e o regime democrático.
Para chegar ao impeachment, são precisos som e fúria para afastar essa camada corrompida de parlamentares, membros de uma entidade de negócios conhecida socialmente como Centrão. Eles parecem educados, mas agem como cães de aluguel e querem as pedras de diamantes. O Congresso foi tomado.