Calores

Meus 50 anos, completados no dia 15, chegaram com a força de uma tempestade perfeita.

A data coincidiu com o rebaixamento da nota de investimento do Brasil, a desvalorização do Real, a ameaça de impeachment e os calores furtivos da maturidade.

Um dia antes do cumpre anos, Joaquim Levy apresentou o plano para sanear o Orçamento de 2016. Eduardo Cunha reagiu com o sorriso cínico habitual, e tive receio de que o presidente da Câmara exigisse, via Embratel, a cabeça da presidenta numa bandeja de prata para aprovar a proposta.

A insônia, algo novo em minha vida, virou rito diário. A consciência desperta às 4h30 e entra num vórtex de preocupações. A certeza do abismo para o qual caminha o país, o corpo, a profissão e o futuro dos filhos.

O doutor desconfiou e mandou tirar a prova. Surpresa, ganhei nota zero nos exames hormonais. Era ele, o bicho papão do climatério.

Temo tocar no assunto e virar porta-voz de um fenômeno vivido em sigilo pela maioria absoluta das mulheres.

A mudez é a mãe da ignorância. Numa época em que o sexo é encarado com naturalidade e a causa gay defendida no horário nobre, surpreende o quanto a menopausa se mantém velada, secreta.

Algo perdida, cliquei na página de Drauzio Varella e quase me atiro pela janela com a descrição do que está por vir: a já conhecida insônia, osteoporose, perda de libido, depressão, irritação, gordura localizada, problemas coronarianos, uma sucessão de horrores difícil de encarar.

Encontrei-me com Drauzio no casamento de um amigo e pedi que ele tivesse a compaixão de rever o resumo. Ele prometeu checar, observando que o fim do ciclo reprodutivo da mulher é um dos processos mais preteridos pela ciência.

A medicina é uma cadeira dominada pelo sexo masculino, disse ele. Se os homens sofressem as mesmas transformações, Drauzio disse ter certeza de que os laboratórios teriam se dedicado com mais afinco a atenuar os sintomas.

Mas o que me toca não é tanto a reviravolta feminina e, sim, a constatação de que o século 20, aquele em que me firmei como gente, é, hoje, tão ultrapassado quanto o século 19.

A crise moral à direita e à esquerda marca o fim dos ideais traçados lá atrás, na Revolução Francesa.

Assisto à loura gelada do horário eleitoral do PMDB, seguida por Cunha falando do país que ele sonha para si e farejo o surgimento de uma onda niilista, agressiva, punk. Um desejo de terra arrasada por parte da população.

Feliz, reunida em torno do bolo com os amigos de uma vida inteira –jornalistas, cineastas, diretores, escritores, atores, músicos e produtores–, tive a impressão de que brindávamos em meio ao Baile da Ilha Fiscal.

O desmanche da indústria fonográfica, na virada do milênio, acontece agora nas Redações de jornal, nas produtoras de TV, no mercado editorial, na publicidade, no teatro, no cinema, no mundo como eu o conheço.

É claro que outras formas de pensar surgirão, mas impressiona testemunhar a história.

Outro dia, vi uma foto de Bibi Ferreira criança no colo de Procópio. Me senti toda ela, filha do circo, vinda de outra civilização.

Envelhecer. Jamais achei que fosse acontecer comigo.

Fernanda-torres

Fernanda Torres – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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