O ex-governador Beto Richa se tornou réu na Justiça Federal do Paraná nesta quarta-feira. Chama a atenção o tempo que o processo já tem: exatos 9 anos. O processo vai para a 1ª instância porque o político tucano perdeu o foro privilegiado ao renunciar ao cargo. A denúncia do MPF é de junho de 2009, quando Richa ainda era prefeito de Curitiba. O ex-governador do Paraná é acusado de desvio de finalidade na aplicação de verba federal.
A denúncia foi apresentada pelo MPF quando o ex-governador do Paraná ainda era prefeito de Curitiba. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) foi obrigado a transferi-la ao STJ em 2011 porque Richa assumiu o governo estadual. No mesmo ano o STJ solicitou autorização da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para processar o governador. Não houve resposta até agosto de 2013, o que levou à suspensão do processo, feita pelo relator, ministro Herman Benjamin, para evitar prescrição. Em novembro de 2014, a Alep negou licença para o prosseguimento da ação. Só no ano passado o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não há necessidade de autorização da assembleia para que o STJ processe governadores. Agora o processo chega à 1ª instância.
O resumo deste caso, feito com informações do site G1, mostra com clareza a facilidade com as quais um político poderoso conta para evitar de ter que prestar esclarecimentos à Justiça. São tantos instrumentos na defesa de interesses pessoais que fica difícil qualquer profilaxia ética. Não estou entrando no mérito da denúncia contra Beto Richa, que evidentemente divulgou um comunicado afirmando sua inocência. É um direito dele. O ex-governador alega que ocorreu um erro de uma servidora pública do município de Curitiba que, ainda segundo o comunicado, “resgatou a totalidade desses valores em proveito próprio”. Ele afirma ainda que a servidora foi exonerada.
Não vou me aprofundar na avaliação das razões de Richa ter se furtado a dar à Justiça explicações tão simples, preferindo a comodidade de escrever um comunicado à imprensa. E isso só 9 anos depois da denúncia e mesmo assim forçado pela obrigação criada por mudanças recentes que melhoraram a transparência e criaram mais obrigações de autoridades perante a Justiça. O político paranaense agiu como quase todos os políticos, uma classe que chegou a uma condição lamentável: o nível moral é tão baixo que até o requisito humano básico da honestidade teve que virar material de propaganda eleitoral.
Richa pode ter enfim a chance de “provar que é inocente”, afirmação que já virou jargão de políticos brasileiros, mas que até então todos procuravam evitar por meio de bancas de advogados muito caros e influência política. Felizmente o Brasil mudou nesses últimos anos. Ainda está longe da totalidade do que precisa ser mudado para acabar com a impunidade. É preciso, apenas como um exemplo, firmar a condenação em 1ª instância e garantir o cumprimento da pena de condenados por crimes de corrupção. Mas até agora, as transformações foram suficientes para que houvesse a articulação de forças poderosas entre a política e o Judiciário na tentativa de empurrar o país para trás, num retrocesso para impedir qualquer limpeza ética.
As pressões parecem ser muito poderosas. Na semana passada um inquérito que apura repasse de R$ 4 milhões da Odebrecht para a campanha de Richa foi enviado ao TSE, a pedido da defesa do ex-governador. A decisão favorável ao recurso da defesa veio de uma mudança de posição do vice-procurador-geral, Luciano Maia. Até então ele era a favor do envio do caso para Sergio Moro, em Curitiba. Nesta quarta-feira, o procurador Alexandre Espinosa Bravo Barbosa pediu demissão do cargo de auxiliar de Luciano Maia, ao que parece em protesto à decisão. Maia é primo do senador Agripino Maia (DEM).
Os brasileiros terão que se mexer, organizando-se e atuando para impedir que ocorra o retrocesso tramado pela parte podre da política, ou então o roteiro que publiquei acima (que nem é o mais ardiloso dos esquemas da impunidade) voltará com tudo para a desgraça do nosso país.