Foi há duas semanas, e ainda não esqueci a suposta queixa do presidente Jair Bolsonaro, de que estão querendo transformá-lo na rainha da Inglaterra —a que reina, mas não governa. Digo suposta porque, ao contrário, ele está fazendo tudo para se tornar, justamente, a rainha da Inglaterra. Mas Bolsonaro ficará bem no papel?
Não. Ele não se adaptaria aos tailleurs, luvas e chapéus rosa-pompom, amarelo-táxi e verde-abacate que a segurança da rainha Elizabeth 2ª a obriga a usar —para que, nas cerimônias públicas, eles possam distingui-la rapidamente no meio da multidão. Bolsonaro, ao contrário, veste-se em estádios até com a camisa do Flamengo, tornando-se um entre milhares. Além disso, faz gestos que Elizabeth acharia inconcebíveis, como simular revólveres ou formar coraçõezinhos com os dedos.
Há décadas não se sabe também de uma palavra dita pela rainha, quanto mais uma frase completa. É possível que, às vezes, ela peça a seu marido, o príncipe Philip, que lhe passe o açúcar, nos chás que ainda tomam protocolarmente juntos. Mas, como Philip está surdo, as palavras de Elizabeth caem no vazio. Já Bolsonaro fala o que lhe vem à cabeça e o que diz sai-lhe pelos cotovelos, sempre ofendendo países amigos do Brasil. Para ser Elizabeth, ele deveria aprender a pigarrear discretamente antes de dizer alguma coisa e, em seguida, não dizê-la.
Em seus 66 anos de reinado, Elizabeth aprendeu a conviver com primeiros-ministros conservadores e trabalhistas. Já Bolsonaro não admite nenhum partido que não o dele —e, de uns tempos para cá, nem o dele.
Bolsonaro dispara os decretos mais inúteis, estapafúrdios e inconstitucionais. Faz isso de propósito, para que o Congresso os rejeite e ele possa dizer que não o deixam governar. Quer jogar o povo contra o Congresso para que o país, sabe-se como, o autorize a governar sozinho. A primeira parte ele já está conseguindo.