Cartas na mesa

Sou, sem dúvida alguma, o horoscopista que mais recebe cartas neste país. Até hoje ninguém teve coragem de mandar um baralho inteiro, mas isso não vem ao caso. O prestígio de um astrólogo se mede pela correspondência que o carteiro lhe deposita à porta. Nisso, tenham certeza, sou campeão e deixo os embusteiros com as calças na mão. É uma rima e agrada ao patrão.

Não tendo mais o que fazer com tanta missiva (elas se amontoam de maneira cruel em meu escritório), resolvi simplesmente publicá-las, o único jeito que encontrei para me livrar delas e sair mais cedo para encher a cara. Está inaugurada, portanto e finalmente, a minha seção “Cartas”, onde vocês poderão fazer confissões, ameaças e, até quem sabe, fazer com que eu perca o emprego brutalmente.

“Há uma semana descobri que meu órgão é pequeno demais! Não sei mais o que fazer! Meus colegas vivem zombando de mim. Qe atitude devo tomar?” Mineiro Sustenido – Alfenas/MG.

Ora, isso é típico de músico precoce, ambicioso e desorientado, que não consegue se entrosar com o conjunto, achando que um órgão maior vai resolver o problemas! Por que você não experimenta tocar piano, sintetizador, talvez. Troque de instrumento, compre um piano de cauda ou procure a Ordem dos Músicos imediatamente. Não tome atitude alguma e atenha-se à partitura. Bach também tinha órgão pequeno e nunca reclamou.

“Perdi a virgindade no táxi, junto com todos os meus documentos. A incerteza me desespera, estou sendo vítima de calúnias terríveis. Penso até em suicídio. Por favor, me ajude!” Desgostosa Em Prantos – Buxixo/MA.

Minha cara desgostosa: você não é a primeira pessoa que perde a virgindade num táxi, portanto, não inovou em nada. O motorista de táxi certamente perdeu a calma e desquitou a bandeirada em você, recolhendo o teu hímem para a coleção de troféus. Contudo, isso não é motivo para suicídio. Perder a perna esquerda no palito, por exemplo, seria uma situação muito mais embaraçosa e constrangedora, quem sabe até motivo para o tresloucado gesto. Mas se atirar debaixo da primeira bicicleta que aparecer, como você mencionou na carta, é de uma infantilidade impressionante! Existem maneiras muito mais eficientes pra acabar com a vida. A originalidade, nesses casos, ajuda bastante. Coma feijoada enlatada, vá morar com a sogra ou entre na jaula do leão. Quanto às calúnias, enquanto não xingarem a tua progenitora, mantenha a calma e não ultrapasse em faixa contínua. Sob neblina use luz baixa.

“Casei com meu irmão, mas ele confessou amar nossa mãe. Meu pai fugiu com meu primo, enquanto a empregada seduzia a vovó. O pequinês aqui da casa está apaixonado pela frigideira; ninguém quer pagar a conta da luz. Quais são as perspectivas para reorganizar a família?” Jocasta Modesta – Roxodó/PE.

Nenhuma. Fique quieta e não faça movimento algum.

“Estou namorando um alemão de bigodinho, meio idoso. Ele é muito estranho, vive levantando o braço direito para o céu e murmurando uma palavras que eu não consigo entende, parece latido de vira-lata com úlcera. Tenho medo dele, apesar de amá-lo intensamente. Quando namoramos, ele fica o tempo todo com o isqueiro aberto encostado no meu nariz. Já marcamos casamento, mas ele tem medo de ser reconhecido na igreja e insiste em ir à cerimônia de uniforme. Tenho quase certeza que ele é anormal. Ou será que é somente louco?” Izildinha Sete Léguas – Itanajé/SC.

Tenho impressão que você errou de ano, Izildinha. Isso foi em 1942, por aí. Em todo caso desista desse falso ariano e se apaixone pelo grego da alfaiataria. Não é tão rude e dói menos. E grego, dizem, não brinca com gás.

“Onde devo meter o meu nariz?”Elliot Pinus – Curitiba/PR.

Se estiver gripado, dentro de um lenço, que é o mais conveniente. Se o nariz for seu e estiver totalmentre pago, passe pra frente que pode render algum dinheiro. Uma reforma na lateral talvez dê o ar de requinte que você mencionou na carta. Os detritos, porém, são de origem obscura. Na base de troca são poucas as chances de sucesso, uma ou duas orelhas, nada mais. Em caso de emergência, meta-o na poupança que você vai ter o que cheirar por um bom período.

“Meus seios estão crescendo rapidamente. Quando esta carta chegar eles já terão tomado conta do quarto. O que devo fazer?”– Ubá/MG B. de Millus.

Evacue a área e saia de perto o mais rápido possível.

“Há uma semana descobri que meu órgão é pequeno demais. O que devo fazer?” Mineiro Sustenido – Alfenas/MG.

Você de novo, Sustenido?

“Tenho 18 anos e minha prima, com a mesma idade, já tem cerca de 35. Meu maior receio é que isso seja hereditário, pois meu pai vai completar 12 anos no mês que vem e minha mãe nem nasceu ainda. Sou rejeitada pelas amigas do colégio, que nem sequer me aceitaram para o Fã-Clube do Rei. Há uma solução para o meu caso?” Solitária Sozinha – Crachá/MG.

Você deve estar com o calendário estragado, Solitária. Procure relaxar e não se preocupe com problemas menores como esse. O tempo é intragável, mas com cuidado se chega lá. Chame um táxi que você alcança a tua prima.

“A bebida está me atrapalhando. Não consigo trabalhar direito, os negócios vão de mal a pior. Abigail disse que vai me abandonar se eu insistir com esse vício maldito. A saída, onde fica a saída?” Baco de Souza – Urá/PR.

Meu caro Baco: tua carta é desperadora, além de chata e cheia de erros de português. Venda essa porcaria de destilaria, cachaça vagabunda não dá dinheiro hoje em dia. Alugue um tonel na praia que tudo passa. A saída fica à esquerda do elevador, logo depois do careca com a mão no bolso. Outra coisa: de agora em diante carta com mau hálito não vai ter mais resposta nesta seção.

“Casei com uma mulher desquitada e ela veio sem as orelhas e sem o lábio inferior. Isso me dá muita insegurança e, de certo modo, me deixa impotente, pois não consigo cochichar obscenidades em seus ouvidos e nem fazer carícias antes da cópula. Sei que é um preconceito tolo, mas eu não admito ser casado com uma mulher que não usa brincos.” Marido Enganado – Ivaí/PR.

Isso é o que dá casar no escuro, rapaz! Segundos Master & Johnson, as mulheres sem orelhas são as mais versáteis nas respostas orgásticas. E além do mais, esse é um detalhe insignificante, que não pode atrapalhar a felicidade dos dois. Coloque um anúncio nos classificados dos jornais. Quem sabe o lábio inferior você recupera.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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