Cartunistas deram 4 passos rumo à certeza que não podem se render

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Toda violência é condenável. A fé é território sagrado, a liberdade também. E, da mesma forma que um avião cai por uma sucessão de erros, atos terroristas também acontecem por uma série de fatos que se acumulam ao longo do tempo.

Hoje, pela manhã, três terroristas encapuzados invadiram a redação do semanário Charlie Hebdo armados com fuzis e gritando “vamos vingar o profeta!”. Em 2012 a publicação estampou um cartum que mostrava o profeta Maomé. pelas leis islâmicas Maomé não pode ser retratado, muito menos numa situação satírica. Apesar dos apelos do governo francês, o desenho foi publicado e a redação do Charlie Hebdo foi incendiada.

A fé é território sagrado mas a religião tem lá seus meandros. A religião pode fazer com que  fé vire ódio e intolerância. A liberdade é território sagrado mas tem uma fronteira de linha tênue que faz uma dança que pode ser vista com vários olhares.

Eu poderia falar de liberdade de imprensa e todo esse escudo que usamos para dizer o que os outros não querem ouvir. Mas não, prefiro falar da liberdade de modo amplo. Estou chocado demais para pensar nessas pessoas que morreram como profissionais, como jornalistas, como cartunistas.

Morreram, até este instante, 12 seres humanos e poderiam ter morrido mais se fossem utilizadas bombas ou se houvesse um movimento grande de transeuntes pelas calçadas em meio a um fogo cruzado. A França entra em estado de alerta e nós também.

O que posso falar? O que não ofende? qual o grau de tolerância de meu interlocutor? Será que ele está armado? Devo acreditar no meu deus ou no dele? Esse eu não quiser nenhum?

A intolerância não permite opções. A resposta sempre será a letra “A”. A primeira. A certa. A minha. Ao que parece, nesta manhã haveria uma reunião de pauta, quando se decide o que entra e o que não entra na próxima edição, e os terroristas sabiam disso. Sabiam que todos estariam juntos em uma determinada sala.

Entre os chargistas mortos estão Charb (também diretor da publicação), Cabu, Tignous e Wolinski. Wolinski!

Wolinski tinha 80 anos e um humor absolutamente anárquico. influenciou uma geração de cartunistas no mundo e, claro, no Brasil. Jaguar, Ziraldo, Millôr, Alcy e tantos outros mamaram em seu humor libertário e em seu desenho rápido e descompromissado.

Mais que cartunistas profissionais, os quatro eram homens de livre pensar. desenhando ou não, diziam o que queriam. Aí é onde a fronteira da liberdade faz sua dança mais frenética.

Humoristas têm enfrentado as patrulhas do politicamente correto, do bom-mocismo e isso tem sido um exercício e tanto. Isso pode, isso não pode, isso denigre negros, isso denigre os brancos, e aquilo os mancos, e aquilo os anões, e aquilo as mulheres, e aquilo os casados, e aquilo os solteiros. Mas ataque terrorista estava um pouco fora da curva.

Toda violência é condenável mas um ataque como esse é um retorno à barbárie. Não se trata de discutir ideias mas, sim, de apagar aquelas às quais eu não aceito. O fundamentalista quer fazer do outro o cego que ele próprio é.

Tudo o que o ser livre não quer, tudo o que um humorista não pode ser. O mundo dá 12 passos rumo ao medo. a imprensa e, em especial os cartunistas, deram 4 rumo à certeza de que não podem se render.

Aqui.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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