O leitor talvez nem tenha notado, mas estive ausente uma semana. Com a família a tiracolo, resolvi rever as tardes de Lindoia – “onde o sol nasce tristonho” e “a natureza veste-se de um véu de sonho” –, imortalizadas na modinha de Zequinha de Abreu, longe dos holofotes, sem ler os jornais – peça cada vez mais rara no país –, sem consultar a internet e sem ligar a televisão.
Quando voltei à “civilização”, não tive maior surpresa. Pelo contrário, tudo o que se desconfiava, revelou-se verdade: o desvario de 8 de janeiro fora previamente preparado, com financiamento de empresários débeis-mentais, incentivo do capitão fujão e apoio de parte da Polícia Militar do Distrito Federal, Exército Nacional e servidores da administração pública.
Soube-se, então, que o Exército protegeu o acampamento armado defronte ao Quartel General, impedindo a prisão e remoção dos vândalos pela PM, e que, nos dois meses em que ficou encastelado, Bolsonaro transformou o Palácio da Alvorada num bunker do golpismo, gestando, inclusive, em conluio com o seu então ministro da Justiça, Anderson Torres, uma minuta de decreto instaurando um estapafúrdio Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (!).
Acontece que agora o país tem governo e os culpados passaram a ser punidos: Anderson Torres foi preso ao retornar ao Brasil, normas que facilitavam o acesso a armas e munições foram revogadas e cerca de 1.400 golpistas foram inicialmente recolhidos ao Sistema Penitenciário da Papuda.
Lula, aliás, assustou-se com a quantidade (1.231) integrantes das Forças Armadas cedidos à Presidência, a maioria dos quais alocada no Gabinete de Segurança Institucional, então dirigido pelo pequeno (nos vários sentidos) gen. Augusto Heleno. Alguns deles foram participantes dos atos terroristas no STF, no Congresso Federal e no Palácio do Planalto.
Incontinenti, o atual presidente dispensou 40 militares que atuavam na Coordenadoria de Administração do Palácio Alvorada, além de 40 outros que já haviam sido dispensados.
Todo mundo sabia que não seria fácil a convivência do atual governo com as Forças Armadas, que, como registrou Hélio Schwartsman, “por uma combinação de ideologia, ranço autoritário e corporativismo, (…) nutrem genuína antipatia pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva”. Só que agora, por força constitucional, Lula é o seu comandante supremo, e estamos conversados. Gostem ou não dele, devem-lhe obediência e respeito.
Estava na hora do governo Lula enquadrar os militares e ele o fez com coragem, rapidez e eficiência. Reuniu os figurões fardados no Planalto, mostrou-lhes, cara a cara, quem está no comando e, no dia seguinte, demitiu e substituiu o chefe do Exército, que se mostrava reticente em relação à investigação do envolvimento de militares na baderna de 8 de janeiro.
Horas antes, estivera em Roraima, conferindo a tragédia Yanomami, cuja reserva fora invadida pelo garimpo ilegal, que contaminou a mata e os rios e causou a morte, a doença e a desnutrição dos donos da terra. Prometeu não apenas apoio, mas também médicos, remédios e até um hospital de emergência. Bolsonaro jamais esteve lá e apenas atiçou a invasão e o genocídio dos indígenas.
Na segunda-feira, Lula embarcou para a Argentina e para o Uruguai, iniciando a retomada de relações internacional, das quais o Brasil estivera ausente nos últimos quatro anos e quase virara um pária.
Governo é isso. Ação, presença, participação.
Aliás, em menos de um mês de governo, Luiz Inácio já fez mais do que o capitão Messias em todo o seu malfadado quadriênio.
Até o ausente Augusto Aras ressuscitou das cinzas e pôs-se em atividade, o que não fazia havia muito tempo. Em compensação, grupo de Procuradores da República acha que já dispõe de base para denunciar o ex Jair Messias Bolsonaro e torná-lo inelegível. Ele poderia começar esclarecendo – tão probo que se dizia – como conseguiu gastar R$ 4,2 milhões nos cartões corporativos da presidência, só nos últimos 35 dias.