Pode ser que o juiz Sérgio Moro tenha razão e que, ao trocar a brilhante carreira de magistrado pelo Ministério da Justiça, no futuro governo de Jair Bolsonaro, tenha mais condições de combater a corrupção e a criminalidade que enlameiam a nação. Esta, porém, não é a minha opinião. Nem a das pessoas de bem deste país, ainda que, por gentileza ou por deferência do cargo ou posição que ocupem, digam o contrário e congratulem-se com o magistrado.
Compreendo que Moro, como estudioso da italiana Operação Mãos Limpas, que inspirou a nossa Operação Lava Jato, pretenda evitar que ocorra aqui o que ocorreu na Itália, onde a politicagem minou os mecanismos de combate ao crime e pôs a perder todo um longo, eficiente e corajoso trabalho. Muito provavelmente, ele acha que, estando dentro do governo, com os poderes que lhe estão sendo prometidos, evitará idêntica catástrofe, muito mais facilmente do que se permanecesse na 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba. Entende que, estabelecido em Brasília, com o apoio do Executivo, terá condições de blindar a Lava Jato e dar força à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao próprio Judiciário para levarem adiante as suas missões.
Continuo achando não ter sido uma boa ideia – como se a minha opinião tivesse alguma importância. E não porque a decisão tenha reativado os latidos da matilha petista – isso iria acontecer, de um jeito ou de outro, tão logo fosse aliviada a dor das feridas de 8 de outubro.
Os motivos são mais nobres e importantes. E o principal é que o capitão reservista não é uma boa companhia. Muito menos os seus principais ajudantes de ordem na área política, o deputado Ônyx Lorenzetti e o senador não reeleito Magno Malta, figuras inexpressivas do Congresso Nacional, para dizer o mínimo. Como Sérgio Moro, uma pessoa inteligente, capaz e correta, com uma larga folha de bons trabalhos prestados ao Brasil e à decência brasileira, pode acreditar nessa gente?! Ele foi convocado apenas para dar consistência e ares de compostura, seriedade e moralidade ao novo governo. Até quando durarão as relações de cordialidade, afinidade e respeito entre Moro e Bolsonaro? A atual fase Jair paz e amor, como se sabe, é passageira.
Com todos os defeitos que possa ter – e os tem –, seja ou não afetado pela vaidade, arrogância e falta de humildade, vícios comuns a grande parte dos integrantes da magistratura, Sérgio Fernando Moro é criatura de outra linhagem, em franca extinção na vida pública nacional. Sua carreira não começou nem deveria terminar com a Operação Lava Jato. Nos vinte e dois anos que a vem exercendo, com apenas 46 anos de idade, deu provas de competência e firmeza. Especializado no combate aos crimes financeiros, atuou no chamado Escândalo Banestado, na década de 1990, com as célebres contas CC5, que envolveram o então existente Banco do Estado do Paraná e na Operação Farol da Colina, de 2004, desdobramento da operação Banestado, que prendeu 103 pessoas, dentre as quais 63 doleiros.
Com a Lava Jato, em três anos, condenou e mandou recolher à cadeia meliantes do padrão de Lula da Silva, José Dirceu, Antônio Pallocci Filho, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral Filho, Marcelo Odebrecht, Leo Pinheiro, João Vaccari Neto, Gim Argelo, Jorge Luiz Zalada, Paulo Roberto Costa, Renato Duque, José Carlos Bumlai, Nestor Cerveró e a dupla João Santana e Mônica Moura, para ficar apenas nos mais graduados – grandes caciques políticos, atuantes dirigentes partidários, poderosos empresários. Não precisa provar mais nada. E, muito menos, participar do projeto Bolsonaro.
Além do que, o futuro Ministério da Justiça, encorpado com as tarefas do Ministério da Segurança Nacional, do sistema penitenciário, das policiais federais e do conselho de controle das operações financeiras, poderá vir a ser muita carga para o caminhãozinho de Moro.
Há pouco tempo, em um seminário patrocinado pela revista Veja, o magistrado foi taxativo: “Acho que não seria apropriado da minha parte postular qualquer espécie de cargo político, porque isso poderia colocar em dúvida a integridade do trabalho que eu fiz até o presente momento”.
Agora, acha que o cargo de ministro da Justiça não é um cargo político e sim técnico. E, ao aceitar o convite de Bolsonaro, justificou: “A perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão”.
O cientista político italiano Alberto Vannucci, professor da Universidade de Pisa e especialista na operação anticorrupção italiana Mani Pulite, acha o argumento ingênuo. Argumenta: “Liderar uma operação judicial contra corrupção, com as habilidades de um juiz, não é garantia de que você saiba como políticas efetivas anticorrupção devam ser formuladas e aplicadas”.
Oxalá Sérgio Moro tenha razão e estejamos todos errados!