Voz e violão é bom, mas onde foram parar os pianos, os trompetes, os saxofones?
Alguém disse a Tom Jobim que ele não podia deixar de assistir ao show de um compositor e cantor recém-surgido. Tom espiou em volta para se certificar de que não havia testemunhas e sussurrou: “Olha, estou cobrando 100 mil para fazer um show. E 200 mil para assistir”. Tinha razão em não querer que o escutassem. Temia parecer soberbo ou indiferente aos jovens talentos —o que ele não era. Mas a maioria das pessoas não imagina o que se passa dentro do ouvido de músicos do seu nível.
Eles não são como nós, os leigos. São capazes de ouvir estrelas. Distinguem timbres e tons com que nunca sonhamos e apontam o erro de um violino entre 50 outros. Por sua vez, ruídos que nem percebemos, como um ronco de motor ou uma serra elétrica, devem despedaçar-lhes os tímpanos. Tom raramente falava de música com os amigos e, em casa, tinha sobre o piano mais dicionários e livros de poesia do que partituras. Era como se lhe bastasse a música que trazia dentro de si.
Estive em Búzios no ano passado. Amo Búzios, principalmente sua calma fora da temporada. Mas, desta vez, nunca vi tanto alvoroço, inclusive sonoro. Dia e noite, ao vivo ou gravada, a música parecia brotar de toda parte —bares, boates, biroscas, restaurantes, lojas, quiosques, praias, piscinas, até dos ambulantes. Um som diferente saía de cada cubículo e, paradoxalmente, sempre o mesmo: um cantor com violão ou guitarra, cantando algo invertebrado difícil de identificar, talvez sertanejo, em português ou inglês. Às vezes, um deles trazia uma perigosa gaita acoplada.
Durante cinco dias não escutei o som de um piano, um saxofone, um trompete. Significa que, em Búzios, nenhum DJ ou cantor com violão ficará sem trabalho, e isso é bom. Só que à custa da extinção de todos os demais instrumentos, e isso não é.
Tentei imaginar Tom exposto a essa monofonia. Impossível. Não teria como pagar a ele nem em pensamento.