RIO DE JANEIRO – Amigos meus estão juntando suas economias e pensando em se mudar para Portugal. Por mais combalido o real diante do euro, o custo dos imóveis em Lisboa compensa, dizem eles. E Portugal é mesmo uma delícia –povo maravilhoso, cidades lindas, comida espetacular, custo de vida bem em conta. Vários desses amigos voltaram de lá há pouco, encantados. Já o Brasil está abusando da paciência de quem foi condenado a viver nele, acrescentam. Donde bye, bye, Brasil e alô, alô, Portugal.
Concordo com tudo isso. Poucas capitais são tão agradáveis hoje para o turista quanto Lisboa. E de tal forma que já começa a criar problemas para seus moradores.
Os lisboetas dos bairros mais altos, que dependem dos bondes –os “eléctricos”– para chegar em casa, têm de disputá-los com os turistas que os tomam em batalhões, ocupando-os inteiros. Em regiões outrora populares, a “gentrificação” está forçando a saída de sua população original, incapaz de pagar os novos preços estabelecidos pelo comércio. As antigas e deliciosas livrarias e tascas da Calçada do Combro dão lugar a lojas tipo Oscar Freire. E por aí vai. O turismo é cruel: por onde passa, só nasce grife.
A cidade dos moradores não é a mesma dos turistas. Ao contrário destes, o morador tem de viver a economia, a política e os problemas do país, e estes são mais ou menos os mesmos em todo lugar.
Morei em Lisboa de 1973 a 1975. Estava casado, tinha uma filha carioca e outra que nasceria lá. Morava em Campo de Ourique, ia de bonde para a “Selecções”, almoçava no Ritz e às vezes voltava para casa com amêijoas ou caracóis para o jantar. Era um bravo residente e, como tal, sujeito às chuvas e trovoadas nacionais. Mas, certa manhã, abri a janela e o sol entrou. Era o dia 25 de abril de 1974. Lá fora se dava a Revolução dos Cravos.
Ruy Castr0 – Folha de São Paulo