Cidades violentas

Ruy Castro – Folha de São Paulo

O Rio diariamente sob os holofotes 

Aconteceu neste e nos últimos Carnavais. No Rio, sobre as imagens de tiroteios que se alternam com as da alegria dos blocos nas ruas, a apresentadora do jornal da televisão, grave e severa, noticia os episódios de violência que estão acontecendo na cidade. O cenho franzido sublinha sua locução como um silencioso tsk, tsk. Faz uma pausa e, em tom de meditativa comiseração, encerra com algo como “A situação do Rio…” —e deixa o resto para o telespectador.

De repente, seu rosto se ilumina e ela chama um repórter em Salvador, o qual, em meio a uma multidão em êxtase, tenta se fazer ouvir contra o som avassalador do trio elétrico. No palco, um cantor famoso. A euforia é geral: dos foliões, do cantor, do repórter, da apresentadora. Parecem duas festas diferentes.

Para a televisão, são mesmo. Uma das cidades recebe cobertura integral, da festa e de seu entorno. Na outra, com menos recursos de cobertura, só importa a festa. Além disso, há outras dez capitais igualmente eufóricas a cobrir no tríduo. E com isso, mais uma vez, o Rio apresenta uma visão amplificada do seu conturbado dia a dia.

Ótima reportagem na Folha deste domingo, 25 (“Rio tem violência espalhada e mais ‘visível’”, “Cotidiano”), de Luiza Franco, no Rio, e João Pedro Pitombo, em Salvador, mostra como a mídia reflete a violência nas duas cidades. Em mortes por 100 mil habitantes, com dados de 2016, Salvador é a oitava capital em taxa de crimes violentos. O Rio é a 21ª. E, se o Rio, em termos absolutos, apresenta a maior taxa, Salvador, com menos da metade da população, vem em segundo lugar —com São Paulo em terceiro. Mas só o Rio está diariamente sob os holofotes.

Tanto falaram na violência do Rio que, na hora de decretar uma intervenção federal, outras cidades brasileiras, talvez mais necessitadas, ficaram de fora.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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