Ruy Castro – Folha de São Paulo
O Rio diariamente sob os holofotes
Aconteceu neste e nos últimos Carnavais. No Rio, sobre as imagens de tiroteios que se alternam com as da alegria dos blocos nas ruas, a apresentadora do jornal da televisão, grave e severa, noticia os episódios de violência que estão acontecendo na cidade. O cenho franzido sublinha sua locução como um silencioso tsk, tsk. Faz uma pausa e, em tom de meditativa comiseração, encerra com algo como “A situação do Rio…” —e deixa o resto para o telespectador.
De repente, seu rosto se ilumina e ela chama um repórter em Salvador, o qual, em meio a uma multidão em êxtase, tenta se fazer ouvir contra o som avassalador do trio elétrico. No palco, um cantor famoso. A euforia é geral: dos foliões, do cantor, do repórter, da apresentadora. Parecem duas festas diferentes.
Para a televisão, são mesmo. Uma das cidades recebe cobertura integral, da festa e de seu entorno. Na outra, com menos recursos de cobertura, só importa a festa. Além disso, há outras dez capitais igualmente eufóricas a cobrir no tríduo. E com isso, mais uma vez, o Rio apresenta uma visão amplificada do seu conturbado dia a dia.
Ótima reportagem na Folha deste domingo, 25 (“Rio tem violência espalhada e mais ‘visível’”, “Cotidiano”), de Luiza Franco, no Rio, e João Pedro Pitombo, em Salvador, mostra como a mídia reflete a violência nas duas cidades. Em mortes por 100 mil habitantes, com dados de 2016, Salvador é a oitava capital em taxa de crimes violentos. O Rio é a 21ª. E, se o Rio, em termos absolutos, apresenta a maior taxa, Salvador, com menos da metade da população, vem em segundo lugar —com São Paulo em terceiro. Mas só o Rio está diariamente sob os holofotes.
Tanto falaram na violência do Rio que, na hora de decretar uma intervenção federal, outras cidades brasileiras, talvez mais necessitadas, ficaram de fora.