Dia tumultuado, no Brasil e na minha cabeça, só paro agora pra dizer que fiquei muito feliz com a notícia de Severina no Festival de Locarno, na mostra Cineasti del presente. Comecei a escrever esse roteiro baseado no original de Rodrigo Rey Rosa (escritor guatemalteco amado por Roberto Bolaño e Paul Bowles) no meio da tetralogia Puzzle, sobre a literatura brasileira, que criamos para a Frankfurter Buchmesse em 2013 na Alemanha.
Quando estreamos o trabalho com os Ultralíricos em Frankfurt, chegávamos na terra de Gutenberg e percebíamos que a feira não é mais um negócio de venda de livros e sim de venda de direitos autorais. Estamos nos despedindo aos poucos desse companheiro secular que é o papel. Severina é um pouco disso também, um filme numa América Latina que aos poucos deixa de existir, de livrarias nas ruas, de ruínas silenciosas da violenta colonização. A América Latina que aos poucos se torna qualquer lugar de todo mundo, de dispositivos e memórias eletrônicas e não de memórias pessoais.
Aquele projeto rompecabezas se ampliou e nesses últimos 5 anos tenho trabalhado em obras teatrais (A Tragédia e a Comédia Latino Americanas), cinematográficas (Severina), e até numa série, ainda inédita, escrita com 20 escritores latino americanos contemporâneos. Outros projetos serão anunciados em breve. Desse modo Severina foi feito: entre uruguaios, argentinos, brasileiros, chilenos, peruanos, guatemaltecos e, também, portugueses. A trilha sonora original do filme, por exemplo, foi composta pelo Arthur de Faria e envolveu 40 músicos de quatro cidades, em três países. Foi produzida pelo Gustavo Breier, e sim tem o Hugo Fattoruso tocando piano! Pela cidade do filme ouvimos, estranhamente, Pedro Santos, Rubén Rada, Los Saicos e Jupiter Maçã. Para mim, e não para todos, Severina é um filme sobre os cadáveres que ocupam nossos sofás durante os relacionamentos amorosos, familiares.
Sobre como temos que aceitar, tratar, nos livrar e com o tempo nos transformar neles. Primeiro como novios (namorados) depois como padres (pais). Será um prazer essa estreia em um festival tão importante como o de Locarno. Será um prazer ainda maior mostrá-lo por aqui. E no Uruguai, que agora amo e não consigo esquecer. Severina foi produzido com o esmero e a coragem da RT Features, e co-produzido pela Oriental Features.
Felipe Hirsch