Clarice Lispector

Na semana, uma nota entre gloriosa e melancólica: os trinta anos, dia 9, da morte de Clarice Lispector. Aquela mesma, atento leitor, que, sem esconder o machismo, Paulo Francis chamava de “o maior escritor brasileiro”.

Mas ao irascível Francis toda licença poética com relação ao “xingamento”… A autora de A Hora da Estrela foi extremamente prestigiada por ele. Sobretudo quando na editoria da histórica
revista Senhor.

Sorry, periferia, mas a revista tinha entre seus colaboradores habituais, além de Clarice, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Osman Lins… Uma trupe de gênios que nenhuma outra revista, nem antes nem depois dela, conseguiu reunir. Cousa dos gloriosos anos cinqüenta brasileiros.

Trinta anos! Nem precisava tanto. Lembro dos domingos angustiosos do verão carioca. O que havia de luz e cor nas praias, parece sobrava de obscuridade em nossas almas vacilantes. Clarice me chamava ao telefone, à beira do abismo, sempre à beira do abismo: “Querro darr uma volta na quadrra, mas estou com medo…”.

Lá iam os meus vint’anos, gelados de ressaca, a temer o guarda da esquina – do Posto Seis, em Copacabana, onde me escondia, ao Leme. Na Gustavo Sampaio, 108, não lembro mais que andar, já me esperava Clarice Lispector, os grandes óculos escuros, as mãos (queimadas) ligeiramente trêmulas e o irreprimível desejo de dar uma volta na quadra.

Sempre me perguntava, a mim mesmo, quantos dias (ou seriam semanas?) Lispector não saía de casa… Perguntar isso, diretamente a ela, seria ofensa, da grossa. Afinal já era a autora de títulos antológicos da literatura brasileira, embora certa esquerda, sempre burra, tanto ontem quanto hoje – aquela época mais -, a considerasse uma escritora menor.

“Subjetiva demais, feminina demais…”,
várias vezes ouvi de Franklin de Oliveira, o esquecido teórico comunista, e também crítico literário, com quem nos meus verdes anos trabalhei em O Globo. Homem de enorme erudição, no entanto hoje vejo, ao menos de Clarice Lispector, não entendia nada. Talvez fosse
versado no carniceiro Stálin, e eu nem sabia…

Aliás, o único comunista que agüento, hoje em dia, é o Oscar Niemeyer, que tem muito mais de padre, diga-se de passagem, do que de comunista estrito senso… E depois, com ele, o negócio é admirar-lhe b jamais as discutíveis – e retrógradas – posições quanto ao sempre
mesquinho varejo político.

Trinta anos sem Clarice Lispector! À parte o afeto que me cabe neste latifúndio, sua obra, à altura de uma Virginia Woolf, só fez crescer esse tempo todo. Clarice melhora a cada dia. Viva estivesse estaria completando 87 anos, ela que morreu na véspera de seu
aniversário, aos 57.

E ela própria perguntaria, de pronto, com o defeito de dicção que era a sua maior marca:
“E estou morrta porr acaso?”.

Não, Clarice, você está mais viva do que nunca.
E, creia, não só em meu já quase vetusto coração.

Wilson Bueno [16/12/2007]O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.