Janio de Freitas – Folha de São Paulo
A quantidade de compras de apoio por Michel Temer, bem ilustrada na recepção a mais de 50 deputados em apenas 12 horas da última terça-feira (3), suscita uma questão importante por si mesma, não para o alheamento vigente no Brasil: que legitimidade terá uma recusa da Câmara a processo criminal contra Temer, se obtida por mais práticas inescrupulosas do denunciado?
A relação de deputados recebidos por Temer naquele período, que a repórter Letícia Fernandes cuidou de esmiuçar, não foi o começo nem o fim dos negócios de apoio. Seu relevo não está só na quantidade, mas também, ou sobretudo, na sem-cerimônia, na desfaçatez com que todo um dia “presidencial” é dedicado a tal finalidade. No palácio de governo do país em crise.
Na imensidão das instituições desta louvada democracia não cabe nem espanto com a ausência até da discrição comum às ordinarices. Como espantar-se, então, com a continuidade das tramoias, enquanto dizem que o país aderiu à moralidade? Da própria Presidência vem a constatação, feita por outra repórter, Mariana Carneiro, de que em torno de Temer e na Câmara beneficiam-se de uma medida provisória pessoas que também a elaboraram. É aquela que concede maiores prazos e melhores condições, sob o nome de Refis, a dívidas na Receita Federal.
Os comprometimentos de Michel Temer e Aécio Neves não vêm de delações em busca de liberdade. Ambos foram entregues pelas próprias vozes, gravados em alguns dos seus momentos de autenticidade. Apesar disso, o pressentimento de que as compras de votos vão se comprovar como bons negócios, favorecendo Temer contra a segunda denúncia, precisam consolar-se com a ideia de que o processo apenas aguardará o fim do mandato. É a alternativa oferecida na legislação.
Mas aí entra o truque de Temer. Sem mandato, seu caso vai para a Justiça comum. Onde Temer nem precisará preocupar-se com ganhos sucessivos de prazo: a velhice, já suficiente, valerá como imunidade.
Aécio Neves, por sua vez, no papel de centro de um choque entre dois Poderes é como um pedido, a todos os distraídos, de alguma atenção para a decadência institucional. Aécio é só um desmascarado. E nem está ainda investigado como devido, mas vários sinais de parte do que falta são também conhecidos no Senado como no Supremo Tribunal Federal. E conhecê-los seria bastante para dispensar os tantos dias e tiros verbais a propósito do desmascarado.
Marcar só para o dia 11 a decisão final sobre o afastamento de Aécio do Senado e, ainda, sobre seu recolhimento domiciliar à noite, foi um erro do Supremo. Criou o intervalo propício ao duvidoso brio senatorial e aos incentivos do governo à defesa do seu aliado. Sempre contra o Supremo.
Sob a aparência de adiamento da sua reação ao Judiciário, de ontem para o dia 17, na verdade o Senado adiou o seu embaraço. Lá na frente, caso confirmado o imposto a Aécio, os senadores ficarão outra vez entre engolir a confirmação ou desrespeitar o Supremo.
Tudo isso, com Temer, Aécio e velhos companheiros, no país onde eles sempre disseram que “decisão da Justiça não se discute, cumpre-se”.