Ricardo Noblat | VEJA.com
“A nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações” (Chico Buarque)
A operação para “estancar a sangria” provocada pela Lava Jato teve início de fato uma semana depois de Michel Temer ter assumido provisoriamente a presidência da República no lugar de Dilma Rousseff, afastada do cargo por decisão da Câmara dos Deputados, mas ainda a três meses de ser deposta pelo Senado.
É o que conta, hoje, em sua coluna semanal no jornal O Globo, o jornalista José Casado. Foi nos dias 18 e 19 de maio de 2016 que deram entrada no Supremo Tribunal Federal duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma do Partido Ecológico (atual Patriota) e a outra do Conselho Federal da OAB, que pedem o fim da prisão em 2ª instância da Justiça.
A atenção do país estava voltada exclusivamente para os palácios do Planalto, onde havia um novo governo, e da Alvorada, onde se recolhera Dilma ainda com a esperança de reassumir o cargo. Ninguém deu bola para as duas ações. Ainda eram desconhecidas as gravações feitas pelo empresário Sérgio Machado, ex-caixa informal do PMDB.
No dia 23 de maio, a Folha de S. Paulo publicou o conteúdo da conversa de Machado com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ministro do Planejamento do governo que mal esquentara a cadeira, um dos agentes políticos que mais conspiravam para impedir um eventual retorno de Dilma. Foi nessa conversa que Jucá falou em “estancar a sangria”.
Ante o medo revelado por Machado de que as falcatruas do PMDB acabassem sendo investigadas pelo juiz Sérgio Moro, Jucá comentou que seria necessário dar ao caso uma resposta política. “Se [o caso] é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”.
Àquela altura, Jucá não sabia que Machado já havia delatado à Procuradoria Geral da República. A delação foi homologada no dia 24 de maio pelo então ministro Teori Zavaski, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). A partir daí, seriam divulgadas as demais gravações clandestinas feitas por Machado com outros políticos do PMDB.
Casado destaca um trecho da conversa de Machado com Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado. É revelador da operação “Abafa Lava Jato” em curso até hoje.
Machado: — O PSDB, eu tenho a informação, se convenceu de que eles… É o próximo da vez.
Renan: — O Aécio [Neves] disse isso lá… E que eu sou a esperança única que eles têm de alguém para fazer o…
Machado interrompeu: — Colocando o Supremo… Fazer um pacto de Caxias. Vamos passar uma borracha no Brasil daqui para a frente.
Renan citou sugestões recebidas: — Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [inaudível] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso, porque aí você regulamenta a delação…
Machado: — Acabar com esse negócio da segunda instância, que está apavorando todo mundo.
Renan: — A lei diz que não pode prender depois da segunda instância. E ele aí dá uma decisão, interpreta isso e acaba isso.
— Acaba isso — concorda Machado.
Renan completa:— E, em segundo lugar, negocia a transição com eles [STF].
Machado — Com eles… Eles têm que estar juntos….
De volta às duas ações protocoladas no STF na última quinzena de maio de 2016: são elas que o ministro Marco Aurélio Mello, na condição de seu relator, se dispõe a levar amanhã para serem votadas pelo plenário do STF. Será a quarta tentativa nos últimos 25 meses de se acabar com a prisão em 2ª instância, observa Casado. E a segunda deste mês.