Em artigo publicado em 1971, um misterioso “Mr. X” relata suas experiências com a maconha. Afirma que a droga o ajudou a entender expressões artísticas e que esses insights perduraram após o uso, ativando a percepção estética no cotidiano.
O autor do texto era um astrônomo que, na década de 1980, produziria a série de TV “Cosmos”, que encantou gerações ao explicar para o público leigo os mistérios do Universo. Sim, Carl Sagan era maconheiro (uso o termo considerado pejorativo para desmistificá-lo). Mas foi obrigado a esconder essa faceta para não ser julgado pela opinião pública.
O conteúdo precioso do artigo teria mais impacto se todos soubessem que seu autor era um profissional competente de uma área que exige raciocínio lógico. Trata-se da estratégia conhecida como “sair do armário”, encampada nos primórdios do então movimento LGBT na São Francisco dos anos 1970.
Tabus comportamentais e preconceitos são criados e mantidos a partir da escuridão. Quando um advogado afirma fumar maconha ou uma médica revela que é lésbica, ilumina-se o debate ao derrubar estereótipos.
Desde que Charles Baudelaire relatou suas experiências com o haxixe em “Paraísos Artificiais”, no século 19, artistas foram agentes fundamentais nessa estratégia. Rita Lee é um exemplo. Sempre falou abertamente sobre o tema, ou com histórias engraçadas ou apontando os problemas que teve com o vício.
Não faz sentido, portanto, que um dos diversos textos publicados pela Folha no dia da morte da cantora tenha sido tachado de moralista e reacionário por abordar esse aspecto importante da vida da artista.
O título do texto foi infeliz ao dizer que a cantora foi guiada pelas drogas, mas isso não é motivo para tamanho chilique. Rita, na verdade, tiraria sarro dessa turma carola.
Pior, boa parte dos indignados defende a descriminalização de substâncias ilícitas. Mas, se jornais não devem dizer que uma roqueira usava drogas, como um cientista poderá revelar que também usa?