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Mesmo com uma sentença judicial desfavorável proferida em maio pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), da qual não cabem mais recursos, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, está protelando a quitação de uma dívida de R$ 393.765,02 com o corretor de imóveis aposentado João Carlos Goulart de Moraes, que trabalhou como autônomo para a construtora do ministro entre 1992 e 2000.
Moraes, 74, cobra indenização pela venda de quatro unidades habitacionais no empreendimento Nouvelle Tour, edifício de luxo construído no balneário de Torres, a 198 km de Porto Alegre, e que foi entregue em 2003. O corretor tinha exclusividade na comercialização do projeto, mas nunca recebeu qualquer pagamento dos empreendedores.
O ministro Eliseu Padilha não negou a dívida, mas afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que se trata de uma ação particular que não tem interesse público (leia mais abaixo).
As tentativas de cobrança judicial esbarraram, até agora, na falta de saldo nas contas das empresas condenadas ou em saldos insignificantes. O pedido de cumprimento de sentença provisória, que pode ser levado até a etapa da penhora de bens antes do trânsito em julgado do processo, começou há dois anos e nove meses,em fevereiro de 2014. Com a decisão do STJ, não cabe mais recurso desde abril deste ano.
“Os advogados do ministro usaram e continuam usando todos os artifícios e chicanas que os devedores contumazes utilizam para não pagar o que devem. A lei, infelizmente, facilita a vida dessas pessoas”, lamentou o advogado de Moraes, José Vecchio Filho.
Além de deixarem as contas correntes vazias, as empresas ligadas ao ministro também foram mudando de nome e de sócios ao longo da ação para evitar a cobrança judicial. Na Junta Comercial de Porto Alegre, uma das empresas citadas no processo, a Uno Empreendimentos e Participações Ltda, registrou a 29ª alteração contratual em fevereiro deste ano.
O empreendimento
O Nouvelle Tour foi construído pela Eliseu Padilha Empreendimentos e Participações Ltda, em sociedade com a Eliseu Padilha Imóveis Ltda, dirigida por Renato Zaccani da Silva, e a Eliseu Padilha Construção e Incorporação Ltda, dirigida por Flaito dos Santos Consul. Nenhuma das três empresas está ativa junto à Receita estadual. A construção foi financiada com recursos do Banrisul (Banco do Estado do Rio Grande do Sul).
Ao longo do processo de incorporação do Nouvelle Tour, no entanto, aparecem ainda as empresas Uno Empreendimentos e Participações Ltda, que pertence à atual mulher do ministro, Simone Camargo, e cuja sede está localizada no mesmo endereço do escritório de advocacia de Padilha em Porto Alegre, a Eletromar Comércio de Materiais Elétricos, dirigida por Zaccani, e a Incorporasul Imóveis Ltda e a Consular Imóveis Ltda, ambas de propriedade de Flaito. Todas essas empresas foram condenadas na ação judicial, mas a Eletromar e a Consular não existem mais. A Incorporasul ainda pertence ao ex-sócio de Padilha.
Na época da construção, o Nouvelle Tour era um dos mais luxuosos edifícios de Torres –que é o balneário mais valorizado do Rio Grande do Sul. São 36 apartamentos a uma quadra do mar que variam de 180 a 360 m² de área útil. As unidades, a preços atuais, variam de R$ 600 mil a R$ 1,6 milhão. Foi a primeira investida imobiliária do grupo de Padilha em Torres.
O longo processo na Justiça
O processo que condenou Padilha e seus sócios tramita há 12 anos na Justiça comum do Rio Grande do Sul –a sentença condenatória de primeiro grau é de setembro de 2010. O valor confirmado em maio pelo STJ, que é tecnicamente “incontroverso” –ou seja, reconhecido pelos próprios réus– terá de ser reajustado pelo IGPM-Jus e, além disso, a falta de quitação espontânea enseja multa de 10% sobre o valor da indenização.
O montante foi definido entre as partes em março de 2014, depois que os advogados de Padilha concordaram em indenizar Moraes com um valor nominal aproximado, na época, de R$ 264 mil. Mas, ao contrário do que determina a lei, os réus não depositaram o valor incontroverso antes de ingressar com recurso junto ao STJ.
O corretor aposentado, que atualmente vive sozinho no balneário com uma pensão de R$ 2.200 paga pelo INSS e em um apartamento alugado de um dormitório, disse que optou por uma ação civil, e não trabalhista, para não ferir o código de ética dos profissionais de sua categoria.
“Fui defenestrado por telefone depois de investir tempo e dinheiro no empreendimento. Me senti traído, achei que era um abuso e um desaforo, porque em nenhum momento fui chamado para resolver as pendências que havia, entre elas comissões e despesas de custeio”, afirmou.
Moraes afirmou que se endividou por causa do trabalho –na época, o corretor gerenciava uma imobiliária do grupo de Padilha em Porto Alegre. Segundo o aposentado, as dívidas contraídas no período foram pagas com recursos próprios –entre eles, um automóvel dado como quitação para as diárias de um dos hotéis onde se hospedava aos finais de semana para trabalhar.
O corretor contou que os sócios de Padilha fizeram pressão para que ele desistisse do processo. “Telefonavam para a minha casa dizendo que não esperavam isso de mim e que iriam me entregar para a imobiliária onde passei a trabalhar depois que fui desligado”, disse. “Sempre soube que seria um processo longo, mas não a esse ponto. Se não puder usufruir da indenização, paciência. Pelo menos meus filhos e netos irão recebê-la. Eu acredito nisso”, afirmou Moraes.
O advogado do corretor disse que é necessário esgotar todas as possibilidades de cobrança da dívida das empresas condenadas para, só depois disso, tentar o bloqueio de bens dos sócios. “Os devedores nunca propuseram um acordo. Em uma ocasião ofereceram alguns terrenos para penhora, mas num valor muito abaixo do devido”, informou Vecchio.
Outro lado
O empresário Renato Zaccani da Silva disse à reportagem do UOL que não é mais sócio de Padilha e que, portanto, não tem relação com o caso. “Achei até que já estivesse resolvido. Esse assunto ficou com a imobiliária, não tenho mais nada a ver com isso”, afirmou. Zaccani também negou que tivesse feito pressão para que Moraes desistisse da ação.
Outro sócio de Padilha no empreendimento, Flaito dos Santos Consul também negou envolvimento com o caso e disse que nunca foi citado judicialmente sobre o processo. Além disso, afirma que a sociedade com o ministro foi desfeita, “devido à perda de finalidade”, em 1998. “Desde então, vejo o ministro Padilha apenas eventualmente”, afirmou.
Flaito confirmou que Moraes atuou no empreendimento, mas disse desconhecer a existência de qualquer dívida com o corretor aposentado. Sobre a Incorporasul, afirmou que a empresa nunca participou do projeto. A reportagem do UOL, entretanto, localizou quatro contratos de compra e venda de unidades do Nouvelle Tour negociados pela Incorporasul após o término da sociedade de Flaito com o ministro (clique e veja um dos contratos, em .pdf). Os negócios foram todos fechados em setembro de 1998.
O ministro Eliseu Padilha não negou a dívida, mas limitou-se a afirmar, por meio de sua assessoria de imprensa, que se trata de uma ação particular que não tem interesse público. “O referido questionamento trata de processo judicial entre particulares e empresa. Todo conteúdo está disponibilizado junto ao procedimento judicial”, afirmou.
Na condição de empresário, o ministro mantém sociedade ainda em uma série de empresas, entre elas a Eliseu Padilha Advocacia e Consultoria, junto com a sua atual mulher; a Gaivota Participações Ltda, também em sociedade com Simone Camargo e que administra a Fazenda Nova Esperança, em Balsas, no Maranhão; a Rubi Assessoria e Participações Ltda, com sede em Florianópolis; e a Girassol Florestamento e Imobiliária Ltda, em sociedade com o empresário Luiz Alberto Verza da Rosa –antigo sócio do ministro desde as primeiras empresas de construção, criadas nos anos de 1980.
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