Num mundo ideal, não haveria humoristas: eles morreriam de tédio na pasmaceira reinante nesse hipotético e apático sistema perfeito. Por isso mesmo, nem fariam falta. Num mundo um pouco menos ideal, com a raça humana aprendendo a se mancar cada vez mais, mais cedo ou mais tarde pintaria a ideia: ei, gente, que tal inventar uns caras que estejam sempre pegando no nosso pé, só pra não ficarmos caindo nos mesmos buracos? Vão gostar tanto do serviço que nem caros deverão ser.

Num mundo muito longe de ideal porém ainda com um desenvolvido senso de civilização, não só haveria humoristas como brotariam tipo erva daninha (sendo inclusive classificados como tal mas nem por isso afastados do jardim botânico). Por iluminar o obscurantismo e refrescar as idéias, em troca não seriam privados de água e luz.

Num mundo nada ideal mas com predominantes noções de justiça e de igualdade na sociedade, os humoristas, apesar de taxados de rabugentos e sempre do contra, ainda assim seriam apreciados por suas pílulas douradas, com a possibilidade, mesmo remota, de elas fazerem efeito aqui e ali em seres imaginários, tipo autoridades e governantes abertos à crítica.

Num mundo bem ao contrário do ideal e cada vez mais fdp em todos os aspectos sociais, o senso de humor dos humoristas não seria mais tolerado, mas, beneficiado apenas pelas estatísticas da água mole em pedra dura, talvez funcionasse, vez ou outra, como contrapeso na balança desregulada dos valores.

Neste mundo à beira do caos e no fundo do poço ético, chamado Hoje Em Dia, se se usasse um resquício da graça primitiva da espécie e um resto da clareza de que a diversidade de opinião é uma contribuição progressista, a imprensa – mesmo pressionada pelos interesses – ainda assim não pressionaria seus humoristas.

Neste mundo egresso de recente ditadura militar, onde a Censura asfixiou liberdades, se houvesse vergonha na cara, memória histórica e reserva moral na opinião pública, os chargistas Santiago, Moa e Kayser ainda estariam empregados no Jornal do Comércio de Porto Alegre, respeitados em seu utilitário papel de divergir. Bobagens.

Num mundo ideal, ideal mesmo, a expressão “num mundo ideal” nem existiria.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em fraga e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.