Consciência artificial

Quando René Descartes proferiu seu famoso “Penso, logo existo” colocou um desafio para os programadores de video-games e de inventores cibernéticos em geral.  Quando será que um personagem de jogo será capaz de, sem ser estimulado por seres humanos biológicos, produzir uma afirmação equivalente?  Claro que não se trata de apenas repetir a frase de Descartes, por mais que isto pudesse ser criativo (Borges, em “Pierre Menard”, tentou provar que a frase do escritor A, repetida espontaneamente pelo escritor B, ganha novos contextos e novas nuances, e pode ser considerada uma frase original).  Seria necessário que um personagem artificial de game, com pendor introspectivo, reflexivo, metido a filósofo, abandonasse por algum tempo as façanhas de espadachim para que fôra programado (coisa que ocorreu com o próprio Descartes) e, recolhendo-se à meditação, afirmasse a própria existência, baseando-se apenas no fato de ser capaz de pensar  na possibilidade dela.

Há dois tipos, que eu saiba, de personagens de games: os que são controlados por jogadores, e os que são controlados por algoritmos, fórmulas matemáticas que determinam as ações dos personagens baseando-se num vasto menu de possibilidades de ação.  Defrontando-se com várias alternativas, o personagem regido por um algoritmo opta por uma delas, influenciado por variáveis que podem ser aleatórias (equivalentes a jogar um dado) ou podem levar em conta tudo que aconteceu com o personagem até então, sua história pessoal.  É possível chegarmos a algoritmos que nos deem a sensação de que existe uma consciência humana por trás daquelas decisões. Mas não saberíamos se era uma ilusão ou um fato. Só o veríamos como fato se esse personagem regido por fórmulas matemáticas se tornasse tão caótico e imprevisível quanto um ser humano normal.

Minha teoria filosófica predileta é a de que a humanidade é o videogame de alguma raça muito mais adiantada “Penso, logo existo” do que a nossa.  Começou como um jogo de ação/aventura tipo “Trogloditas vs. Mamutes”, evoluiu para um jogo de gerenciamento de tribos, agricultura e pastoreio.  Então, os avatares biológicos fugiram ao controle.  Primeiro inventaram a linguagem, depois a escrita; e desenvolveram consciência individuais que não faziam parte do plano.

O degrau seguinte levou esta nossa humanidade biológica a desenvolver uma humanidade cibernética (feita de bytes, de pixels, de algoritmos) na qual o mesmo processo começará, mais cedo ou mais tarde, a se reproduzir.  O universo é um experimento em que espécies de natureza física totalmente diversa trabalham para produzir o mesmo fenômeno não-físico: a consciência de si mesmo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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