Curitibanos & Neo-curitibanos.

Ilustração: Walter Vasconcellos.

Assisti num desses canais a cabo um documentário sobre as diferentes fases da história de Nova Yorque trabalho bem feito, documentos bem garimpados e depoimentos inteligentes. Em determinado momento, o documentário apresentou trechos do poema “ Manhatan, cidade minha.”, do poeta americano Walt Whitman, um novaiorquinho do Bronx, que discorria sobre a visão que ele tinha da Nova Yorque do seu tempo. Minha atenção nesta parte do filme foi redobrada, pois acredito que os poetas têm um olhar mais limpo sobre a sociedade em que vivem, possuem perspectivas melhores do que nós a respeito do que está acontecendo no mundo e percebem antes dos outros quais os rumos que a sociedade está tomando. E, graças as suas antenas afinadas e sensibilidades apuradas, podem nos oferecer as previsões mais acertadas.
O documentário mostrava que em determinada época, na metade do século dezenove, os velhos moradores locais se preocupavam com o excessivo número de novos imigrantes que aportavam todos os meses à cidade. Estavam ficando aflitos com as possíveis mudanças que estes estariam promovendo no comportamento da população. E uma única voz se levantava a favor desta grande mistura de raças e costumes, a do poeta, Walt Whitman, que ria da situação, achando maravilhosa a chegada de sangue novo na sua cidade todas as semanas. Dizia que esta gente é que viria mais tarde formar a alma e a personalidade cosmopolita de Nova Yorque – acertou em cheio, os futuros moradores da Big Aple não decepcionaram as previsões do poeta.
Pois bem, eu, um rabugento e resmungão curitibano de meia idade, que andava preocupado com o excessivo número de pessoas de fora ocupando nossas ruas, parques, praças, escolas e empregos, pensando que eles estariam estragando a nossa bela, quieta, ordenada e amada cidade, rendi-me aos argumentos do poeta americano: que venham os novos curitibanos, pois se juntos soubermos administrar esta mistura, Curitiba só terá a ganhar.
É claro que teremos que lutar pela manutenção de algumas das nossas manias mais conhecidas, tais como, não jogar lixo pelas janelas dos carros, respeitar ingenuamente as ordens das filas, manter germanicamente algum senso de organização e ordem, gostar de ecologia e meio ambiente e respeitar a privacidade alheia, atitude que na maioria das vezes é confundida com ser frio e distante com os seus vizinhos.
As minhas preocupações procedem de algumas observações do dia-a-dia. Por exemplo, na semana passada, vi pessoas jogando lixo das janelas dos seus carros. Para me certificar se eram ou não moradores locais que estavam cometendo este crime hediondo contra a cidade, pois curitibano que é curitibano, não joga lixo pelas janelas dos seus carros – me aproximei e constatei que eram carros com placas de fora.
Outra percepção que me incomodou foi a de que, há algum tempo, vindo num vôo de São Paulo, observei que o verde das árvores da nossa cidade, nos bairros do lado sul, vão até os limites da Vila Hauer, antigo bairro alemão e, que depois, quando começa o Sitio Cercado, que é formado por gente de fora, tudo é de um cinza triste, sem nenhuma árvore. Parecia até que estava sobrevoando um bairro paulista.
Estas, somam-se a outras observações, tais como, desrespeito às filas de ônibus, assaltos, pichações ( até agora não entendo porque a prefeitura que é mestre em tantas coisas ainda não encontrou uma maneira de combater este crime, que segundo um amigo diplomata, morador em Brasília, deveria ser punido com pena de morte.) Não quero dizer aqui que somos cidadãos perfeitos, pelo contrário, temos nossos defeitos, falar mal dos que vêm de fora, como eu estou fazendo aqui, é um deles.

Voltando ao assunto da chegada de novos moradores, devemos lembrar que sempre foi assim, desde o início da cidade. De tempos em tempos, Curitiba recebe considerável fluxo de imigrantes. Começou com os garimpeiros portugueses na época da sua fundação, passou pelo movimento dos tropeiros, do qual foi uma das organizadoras, e depois recebeu a grande imigração de europeus no final do século dezenove. Voltou a receber novas levas migratórias nas décadas de 60 e 70, principalmente com gente oriunda do norte do Paraná, somadas aos gaúchos e catarinenses. ( há um excelente trabalho sobre este assunto escrito pela jornalista Maí Nascimento. “ Os Catarinas no Paraná” editado pela Casa da Memória).

É que agora, estes novos moradores estão chegando ao mesmo tempo em que se processa uma profunda mudança na economia e nos costumes mundiais, onde ninguém respeita ninguém e nada mesmo. E a mudança nos costumes da cidade promovida pelos que estão chegando mais a mudança deste comportamento geral nos deixa confusos e atordoados. Acredito que novos moradores serão sempre bem-vindos, desde que, como eu já disse, alguns dos valores curitibanos sejam respeitados, pois foi justamente isto que atraiu tanta gente para cá – senso de ordem, limpeza, respeito pelo outro, pela ecologia, bons serviços públicos, bom transporte de massa, facilidade no transito, etc.
Se Curitiba deixar de ser Curitiba, perdendo suas principais qualidades, se igualará a qualquer outra cidade de médio e grande porte.
Como sugestão ao nosso alcaide, que foi eleito para ser o defensor mor da nossa vila, sugiro que se faça um trabalho do tipo “Como Ser Curitibano e Amar a Sua Cidade ” – algo assim do gênero comportamental e de atitudes. Alguma instituição do tipo IPPUC que fez com tanta eficiência um trabalho que dava as linhas mestras de cidade, orientando o seu crescimento físico e urbano poderá através da pesquisa, da educação e da comunicação de massa , orientar este trabalho de sensibilização e tentar dar conta deste difícil recado, pois a maior dificuldade da comunicação é agir em cima de valores culturais.
Deixando ao “deus-dará”, a cultura de fora que, já se iguala à nativa, vai nos engolir. Daí, teremos que fazer como o nosso maior escritor, Dalton Trevisan, sair “Em Busca da Curitiba Perdida”, reclamando sempre, como bons curitibanos que somos, porque não agimos em tempo.
Eloi Zanetti

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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3 respostas a Curitibanos & Neo-curitibanos.

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