Dar uma remota chance à paz

Ondas de insanidade varrem o mundo. Crianças mortas em ataques terroristas, hospitais bombardeados, e nós aqui desolados, com olhos vagando pela Convenção de Genebra, pelo Estatuto de Roma — enfim, por algo que expresse um limite civilizatório para tantos crimes de guerra.

As ondas se estendem para as redes sociais, onde uma parte da esquerda no mundo se recusa a condenar o terrorismo do Hamas, e uma parte da direita acha que todos os palestinos, inclusive crianças, são culpados.

Não chegamos a este ponto de repente, como um raio em céu azul. Quando houve o ataque de sábado, 7 de outubro, comentei que Israel se tornou mais vulnerável com o populismo de direita de Benjamin Netanyahu. Entre alguns espectadores, foi um deus nos acuda. Como assim?

O avanço do governo sobre as prerrogativas da Justiça suscitou um grande movimento de protesto. O país estava francamente dividido. O próprio ministro da Defesa, Yoav Gallant, admitiu que a tensão política tornava Israel mais vulnerável.

Em sua primeira entrevista depois do ataque terrorista, o escritor israelense Yuval Noah Harari, autor de “Sapiens, uma breve história da humanidade”, afirmou exatamente isto: o populismo da direita enfraqueceu o país.

Além dos fatores políticos, houve a decisão militar de transferir tropas para a Cisjordânia, para proteger colonos israelenses que avançam sobre território palestino.

Verdade é que minha constatação precisava ser desdobrada. Israel não se interessou por um diálogo com a Autoridade Palestina e, na verdade, parecia tolerar o crescimento do Hamas.

O próprio mundo ocidental não se deu conta de como as coisas se agravavam. O interlocutor para uma política de dois Estados, a Autoridade Palestina, se desgastou com a corrupção, enquanto a extrema direita religiosa em Israel e o Hamas, que também é uma espécie de direita religiosa, cresciam e ocupavam o espaço central.

John Kerry, que foi inúmeras vezes mediar o conflito no Oriente Médio, disse:

— Em certas situações, não fazer nada causa mais danos que a própria ação.

Os problemas da região, um pouco por cansaço diante de sua complexidade e resiliência, foram quase esquecidos.

Agora, o mundo paga um preço alto. A brutalidade do ato terrorista, a morte de civis na Faixa de Gaza, tudo isso nos joga para trás num momento da História em que as redes não podem atenuar a onda negativa, mas sim ampliá-la e usá-la como combustível para seus rancores cotidianos. O antissemitismo e a islamofobia ampliam o discurso do ódio em lugares onde as pessoas se detestavam com base em opções locais.

São tempos difíceis. Já eram nos estreitos limites de nossas rivalidades provincianas. Tornam-se mais difíceis ainda para as pessoas que não embarcam na canoa bélica e não querem outra coisa, exceto dar uma chance à paz: corredores humanitários, não atirar em civis e fixar o combate apenas contra aquelas organizações como o Hamas, para que tenham o destino de suas similares, Estado Islâmico e Al-Qaeda. Mesmo sabendo que isso é difícil, pois o Hamas é enraizado numa juventude sem horizontes.

Israel é um país traumatizado com a maior perda de sua história, 1.400 mortos, 200 reféns. O trauma também mobilizou os Estados Unidos depois do 11 de Setembro.

Ocupar Gaza representará mortes, combate casa a casa. Como destruir uma imensa rede subterrânea do Hamas e manter intactas as casas na superfície? Cerca de 15% dos prédios de Gaza já foram atingidos, antes mesmo da ocupação. Em caso de vitória, quem administra Gaza? Israel?

A alternativa de um desmonte progressivo do Hamas, por meio de um cerco e ações pontuais, daria tempo para negociar o futuro: as bases da paz, única solução duradoura.

Depois das degradantes imagens do 7 de outubro, é triste ver agora como param carros diante dos hospitais de Gaza com gente trazendo crianças feridas no colo. O Brasil deve insistir em todos os caminhos que atenuem o sofrimento humano no Oriente Médio. Não existe isso de derrota ou vitória, apenas o caminho definido pelos fundamentos de nossa política externa: lutar pela paz. Sempre.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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