Como seria um dia sem pensar, alheio ao pandemônio que assola o Brasil?
Há dias, caminhando sem pressa pelo calçadão do Leblon e concentrado na imperturbável pachorra do mar, dei-me conta de que levara uma hora sem me lembrar da turbulência que parece estar engolindo o Brasil —em que não se passam 24 horas sem um fato novo e grave. Perguntei-me se seria possível, sem sair do lugar, tirar um “day off” do país —um dia de folga, desligado, sem saber, sem pensar, sem me aborrecer e sem sofrer por nada.
Um dia alheio ao clima bélico armado pelo presidente Jair Bolsonaro, que está jogando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário uns contra os outros, assustando parlamentares, militares, empresários, investidores, analistas, economistas e intelectuais, e que, de tanto ver inimigos em toda parte, está fazendo com que esses inimigos comecem a pensar em se tornar realidade. O que inclui, neste momento, gente que não tinha nada com isso e que ele ofendeu, como palestinos, chilenos e argentinos; os partidos políticos, loucos para se jogar nos seus braços, e que ele despreza, como se não precisasse deles; e, por enquanto, 15% dos seus eleitores.
Um dia indiferente ao pandemônio instaurado por Bolsonaro dentro de seu próprio governo ao desqualificar ministros, cometer tuítes de que é obrigado a se retratar e abalar áreas sensíveis como educação, direitos humanos e exterior, entregues a cabeças de bagre. Um dia sem ver conquistas, estabelecidas há décadas pelos profissionais dessas áreas, correndo risco e fazendo do Brasil uma piada internacional.
Um dia sem os disparates de Moe, Larry e Shemp —digo, Flávio, Carlos e Eduardo. E um dia à distância do astrólogo e cowboy Olavo de Carvalho, em quem os eleitores de Bolsonaro, sem saber, votaram para presidente.
Talvez, neste momento, esse “day off” seja impossível. Mas, a continuar assim, o próprio Bolsonaro logo nos proporcionará um longo “day off” dele próprio.