Bernard Shaw já tinha dito: toda propriedade é roubo organizado
Em 1942, Antonio Callado, Mario Martins, Danton Jobim e outros jornalistas brasileiros de passagem por Londres pediram ao cônsul Paschoal Carlos Magno que lhes conseguisse uma entrevista com Bernard Shaw, então o escritor mais famoso do mundo. Paschoal encaminhou o pedido e a resposta foi um cartão do próprio Shaw, escrito à mão. Nele, o pensador e dramaturgo dizia que, aos 86 anos, não concedia mais entrevistas, não aceitava convites para jantar, não dava palestras e conferências, não participava de mesas redondas, debates, seminários e programas de rádio nem autografava livros ou fotos.
Os jornalistas ficaram frustrados, mas admiraram Shaw por sua franqueza deliciosamente rude, típica do autor daquelas frases que todos repetiam: “O assassinato é a forma mais extrema de censura”; “Quando alguém faz uma coisa de que se envergonha diz que está apenas cumprindo um dever”; “A ciência nunca resolve um problema sem criar dez outros”; “Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina”; “O que Deus uniu o homem não pode separar. Deus cuidará disso pessoalmente”; “Já poderíamos ter o socialismo, se não fosse pelos socialistas”; “A juventude é algo maravilhoso. Que pena desperdiçá-la em jovens”; “Toda propriedade é roubo organizado”.
Os jornalistas admiraram ainda mais o cartão que Shaw escrevera com letra firme e caprichada, e que estava na mão de Paschoal —um documento precioso, talvez o último de um homem idoso e que se retirava dos holofotes. Paschoal pôs o cartão em sua mesa, conversou mais um pouco e, por fim, levou a turma até a porta. Horas depois, procurou o cartão e não o encontrou. Alguém o subtraíra. Assim é o ser humano.
Um dia, Paschoal viu num jornal de Porto Alegre o fac-símile do cartão, “acompanhado de comentários inteligentes de um jornalista gaúcho que estava no grupo”.
Shaw tinha razão: toda propriedade é roubo organizado