Estávamos nos anos 60. Eu viajava pra caramba, uma, duas vezes todas as semanas. Para um garoto de 8 anos, era muitíssimo. Mais ainda pra quem, como eu, queria ser piloto de guerra. Qual guerra? Qualquer uma, desde que cheia de ataques-surpresa, bombardeios, kamikazes – e bastante fumaça, sons e voos rasantes; como no cinema. Certa vez, a sete mil metros do chão, uma daquelas janelinhas se abriu e foi mó furdúncio a bordo. Eu, que não conhecia a morte, fui apresentado a ela, mas polidamente recusei-lhe a mão. E nem tchans: só ria da confusão. No fundo, doce ilusão de criança, tinha certeza que algum dos adultos, como é próprio dos adultos, acharia uma solução qualquer dali a pouco. Não me lembro qual era o equipamento em que estávamos voando, mas posso garantir que era grande. Muito grande. Como o transatlântico de ‘Amarcord’. Quando o Concorde foi lançado, pensei comigo: ‘Olha o avião da minha infância’. Claro, o mundo era diferente. As crianças eram diferentes. Nosso olhar era diferente.
Até a bunda da Esmeralda, a não proclamada rainha das mulatas do Rebouças, era uma distorção do tempo: uma amplificação, uma hipérbole. Algo tão surreal que o próprio Salvador Dali não hesitaria em autografar aquela cauda. Tudo era exageração – paródias, alegorias. Eu não tinha medo de nada, a não ser de que os cruéis alemães e japoneses se rendessem e nosso esquadrão fosse dispensado da FAB por falta do que fazer.