O depoimento/confissão do amigo Paulo Motta sobre a crença em Jesus, tratado aqui na semana passada, remeteu-me ao meu querido e saudoso Rubem Alves. Dizia ele que, de vez em quando, perguntavam-lhe se acreditava em Deus. Ele ficava mudo, sem dar resposta, porque achava que qualquer resposta que desse poderia ser mal entendida. E apontava o problema no verbo acreditar.
Em muitas de suas crônicas, Rubem tratou da questão. Numa delas, argumentou provocativamente: “Mesmo sem estar vendo, eu acredito que existe uma montanha chamada Himalaia, e acredito na estrela Alfa Centauro, e acredito que dentro do armário há uma réstia de cebolas. Se eu respondesse à pergunta dizendo que acredito em Deus, eu o estaria colocando no mesmo rol em que estão a montanha, a estrela, a cebola…”
E ia além: “É preciso, de uma vez por todas, compreender que acreditar em Deus não vale um tostão furado”. E, antes que ficassem bravos com ele, avisava que a brabeza deveria ser endereçada ao apóstolo Tiago, que deixou escrito em sua epístola sagrada: “Tu acreditas que há um Deus. Fazes muito bem. Os demônios também acreditam. E estremecem ao ouvir o seu nome” (Tg 2,19). Em seguida, perguntava: “Você estremece ao ouvir o nome de Deus?” E respondia: “Duvido. Se estremecesse, não repetia tanto”.
Para Rubem, o que faz o corpo tremer é a beleza. Mas avisava que “a beleza é entidade volátil – toca a pele e rápido se vai”. Em assim sendo, para ele “isso a que nos referimos pelo nome de Deus (…) é um grande, enorme Vazio, que contém toda a beleza do universo”.
Por outro lado, o meu estimado filósofo, usando a ontologia de Riobaldo (de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa), dizia que “Deus tem de existir. Tem beleza demais no universo, e beleza não pode ser perdida”. E repetia que o grande Vazio sem fim que é Deus vai pelo universo ajuntando toda a beleza que há, garantindo que nada se perderá e o que se amou e se perdeu haverá de voltar e se repetirá de novo.
Então, respondia à pergunta que lhe fizeram: “É claro que acredito em Deus, do jeito que acredito nas cores do crepúsculo, do jeito como acredito no perfume da murta, do jeito como acredito na beleza de uma sonata, do jeito como acredito na alegria da criança que brinca, do jeito como acredito na beleza do olhar que me contempla em silêncio. Tudo tão frágil, tão inexistente, mas me faz chorar. E, se me faz chorar, é sagrado. É um pedaço de Deus…”.
Rubem Alves reiterava que só não acredita no Deus vingador pintado pelo Velho Testamento, “que administra um inferno, inimigo da vida que ordena a morte, eunuco que ordena a abstinência, juiz que condena, carrasco que mata, banqueiro que executa débitos, inquisidor que acende fogueiras, guerreiro que mata os inimigos…”.
Para Rubem, Deus não faz contabilidade. Não soma nem virtudes nem pecados. Porque Deus é o amor. E como é o amor, não tem porquês nem razões.
Em outro texto, também aqui já referido, nas vestes de Mestre Benjamin, um contador de histórias dos tempos antigos, Rubem Alves enunciou mais ou menos a mesma lição:
“A pergunta não deveria ser ‘Você acredita em Deus’, mas ‘Você se comove com a beleza?’ Deus nunca foi visto por ninguém, porque ele não quer ser visto. Ele se mostra na experiência da beleza. Quer ver Deus? Veja a beleza do sol que se põe. Quer ouvir Deus? Entrega-se à beleza da música. Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o perfume do jardim. Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço, porque Deus tem o coração de criança”.