Alguns anos antes da aventura que nos levou aos bastidores da República do Jet-Ski, é preciso que se diga, eu já havia viajado muitas vezes em companhia do Mercer. Foram viagens mais pedestres, mas justamente por isso muito mais divertidas do que nossa fugaz experiência com o chamado Poder.
Que ante-salas ministeriais poderiam ter sido mais luminosas do que todos os bares por onde acompanhei o cantor e dançarino Sergio Mercer em turnê de uma noite, apresentando impagável improviso jazzístico do samba “Emília”? Que passeio entre repartições públicas teria sido mais inspirador do que nossas freqüentes viagens entre as Mercês do Bar Botafogo e o Bacacheri do Bar Sem Nome?
Nenhum evento da Esplanada, por certo, mais me emocionaria do que ver sair do forno a extraordinária “Marcha do Porco Chauvinista”, interpretada pela dupla de autores, & Mercer & Solda, no Bar Rei do Siri. Ou, então, o tango tragicômico que, se a memória curitibana merecer confiança, terá imortalizado esse já desaparecido bar.
Os comediantes federais nada teriam para me oferecer de mais engraçado do que o convite feito pelo Presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Sergio Mercer, para eu escrever, em 30 dias, a revista musical de inauguração do Teatro de Bolso em homenagem aos comediantes municipais.
Qual job publicitário proveniente dos meandros da Casa da Dinda poderia ser mais desafiador do que ajudar a dar forma à campanha do “Coração Curitibano”, criada pelo Mercer, Solda e pelo Zanoni para o nosso amigo Jaime Lerner?
Em suma, não precisávamos de Brasília para nada. No entanto, ela passou a fazer parte do nosso destino no exato momento em que Alceni Guerra assumiu o Ministério da Saúde e o curitibano Heitor Gurgel do Amaral Valente Neto tornou-se seu assessor especial.
Heitor queria uma grande idéia para a gestão do Alceni e, por isso, resolveu promover um brainstorm na Capital Federal, reunindo Sergio Mercer, Antonio de Freitas, Cleto de Assis e eu. O encontro aconteceu na casa do Cleto, que nos hospedou e recebeu a parte paranaense da República as Alagoas com um jantar capaz de arrancar suspiros do Barão de Tibagy.
Naquela circunstância, nosso grupo já havia constituído um pool e o tal do brainstorm não passara da idéia de abrir em nossas cabeças o job psicológico que, sumariamente, solicitava uma proposta de impacto que desse notoriedade ao Ministro da Saúde.
No dia seguinte, vencida a ressaca e com esse job dormindo em alguma dobra da alma, Sergio Mercer e eu embarcamos em um avião da Varig com destino a Curitiba. Em dado momento da viagem, o Mercer sugeriu que pensássemos em algo para as crianças. Eu olhei para ele e provoquei: que tal um Ministério da Criança?
Bem, não é preciso dizer que aterrisamos em Curitiba com o Ministério da Criança completamente concebido. Antes de nos despedirmos, o Mercer lembrou que seria prudente conseguirmos um japonês que transformasse aquela idéia em um projeto. Respondi que não seria necessário, pois eu mesmo poderia fazer esse trabalho.
Depois de uma semana de muito trabalho, mostrei o projeto ao Mercer. Ele limitou-se a dizer “eu não sabia que você era japonês”, sentença que nos fez rir mas que muito me lisongeou. Tal qual saiu de minha máquina de escrever, o Ministério da Criança viajou para Brasília, foi aprovado e implantado em parte.
Na volta da aprovação, o Mercer apenas me disse: “velho, acho que, com essa, viramos Bichos do Paraná”. Ele se referia a um título conferido pelo antigo Bamerindus aos paranaenses que se destacavam nacionalmente em alguma área de atividade.
Não ganhamos o título, o Ministério da Criança ficou muito longe do que sonhamos para ele, não recebemos um tostão do Governo Federal e, ainda por cima, fomos vítimas de uma intriga motivada por nota publicada na imprensa local que reconhecia a mim como o autor único da idéia.
O Mercer ficou chateado comigo, mas levou na esportiva. Convocou um encontro dos integrantes do pool em sua agência. Quando entramos na sala de reunião, em todos os lugares da mesa havia uma toalha e uma caixa de lanche com o logotipo da Varig.
Fiquei na minha durante toda a reunião. No final, ao se despedir de mim, o Mercer abriu um sorriso e me disse: “ah, sobre a idéia que tivemos de fazer o Ministério da Criança, vamos fazer o seguinte: você passa um fax para mim e eu passo um fax para você, e fica tudo resolvido”.
Nunca trocamos esse fax. Mas saí de lá pensando: mais do que um sujeito genial, Sergio Mercer é, e provavelmente sempre será, o amigo mais elegante que eu tive em minha vida. Hoje, mais do que nunca, sei que estava certo.
Fevereiro|2006