Gostemos ou não, ostentar é humano e nada mais previsível do que a exibição da matéria
Que atire o primeiro diamante ou pedra quem nunca ostentou alguma coisa, mesmo que seja o sorriso invejável de quem não sente necessidade de ostentar nada. Gostemos ou não, ostentar é humano e, numa sociedade pautada por conquistas materiais, nada mais previsível do que a exibição da matéria, tanto que quando pensamos nesse assunto logo vem à cabeça pessoas exibindo bolsas, roupas e acessórios de marca.
Há quem prefira ostentar o que se conquista com o esforço físico, como os bíceps que rasgam as camisas ou as bundas petulantes de tão duras. O misantropo vai dizer que não ostenta nada, mas seu jeitão taciturno e seus possíveis andrajos não deixam de ostentar o seu desprezo pelo mundo. E olha eu aqui, escrevendo de moletom barato e bunda caída, mas me exibindo também: acabo de ser flagrada usando a palavra “andrajo”, numa manobra de vocabulário-ostentação.
Vá a uma festinha de escritores, como as tantas que eu frequento: você não vai ver uma única logomarca mas diversos pavões exibindo a cauda da erudição. E mesmo um monge que acompanho, já tão liberto das armadilhas do ego, por vezes exibe uma expressão que não esconde a vaidade por sua própria libertação.
Se eu ostento, tu ostentas e elas e eles ostentam, qual o problema em conjugar esse verbo, além do desnude da nossa latente insegurança? O problema é o objeto. O que uma pessoa exibe diz muito sobre ela e o que uma sociedade costuma exibir diz muito sobre a sua época. A julgar por nossos penduricalhos, estamos feios na fotogenia.
Ainda há quem pise no acelerador do seu carrão a gasolina ou a diesel com o cotovelo para fora da janela, ostentando cilindradas e emitindo carbono como se não houvesse amanhã — e, nesse ritmo, talvez não haja mesmo. Ainda há quem se vanglorie de ter uma bolsa de dez salários mínimos ou um closet do tamanho de um apartamento.
Nossos ícones de consumo envelheceram mal, desconectados da realidade de um planeta em crise. Mas o pior mesmo é ostentar a falta de tempo. Quantas vezes você ouviu: não vou poder ir porque estou cheio de trabalho. Não posso falar agora porque estou na correria. Não consigo nem ler todas as mensagens. Por trás do lamento, muitas vezes é possível entrever o orgulho de ser requisitado, disputado, convocado a dar um pouco mais de si.
O nosso sistema econômico engendrou tão bem esse esquema exploratório que o sujeito se sente honrado em se desdobrar e depois ostentar a sua estafa como se fosse um relógio de ouro. E temos até um nome para o modelo mais requintado dessa joia: burnout. Só no ano passado tive dois, ouvi alguém dizer esses dias, explicitando sem perceber a face pobre da sua moeda.
O maior problema de bazofiar a falta de tempo e exibi-la como vantagem é que caímos numa armadilha. Ao aderir acriticamente a essa carência, deixamos de percebê-la e combatê-la. Sem falar que é preciso tempo — leia-se ócio e contemplação — para criar saídas para a própria falta de tempo. Ostentando uma frase de Walter Benjamin, o tédio profundo é “um pássaro onírico que choca o ovo da experiência.”
Se ostentar é humano e muitas vezes incontornável ou irresistível, que ao menos seja sob uma nova ética e estética, abrindo a cauda de pavão sem derrubar as outras espécies e valorizando o tempo em si, e não o brilho ilusório de certos ponteiros.