Ao assinar a Medida Provisória que facilitou as operações das grandes empresas apanhadas em roubalheiras, a doutora Dilma abandonou a posição de neutralidade antipática que mantinha em relação à Lava Jato. Ela alterou uma lei de seu próprio governo e alistou-se na artilharia dos oligarcas que, pela primeira vez na história do país, estão ameaçados por um braço do Estado.
O mimo permitirá que empreiteiras cujos diretores foram encarcerados negociem novos contratos e obras com a Viúva. No mais puro dilmês, ela disse que “devemos penalizar os CPFs (as pessoas físicas), os responsáveis pelos atos ilícitos. Não necessariamente penalização de CPFs significa a destruição dos CNPJs (as pessoas jurídicas). Aliás, acreditamos que não exige”. A frase de pouco nexo escamoteia o conceito de que as roubalheiras podem ter mais a ver com malfeitorias de pessoas do que de empresas.
As roubalheiras não eram dos executivos, eram da oligarquia empresarial. Prova disso está no fato de que nenhuma empreiteira queixou-se de seus executivos.
Os defensores do abrandamento dos acordos de leniência sustentam que a Lava Jato abala negócios, desemprega trabalhadores e inibe a economia. É um argumento parecido com aquele usado pelos defensores do tráfico negreiro no século 19, mas essa é outra discussão.
Até hoje nenhuma grande empreiteira pediu desculpas à população pelas mentiras que repetiu tentando proteger-se da Lava Jato. O papa Francisco pediu desculpas pelos casos de pedofilia na Igreja. A Volkswagen desculpou-se pelas fraudes ambientais. Os oligarcas brasileiros mentiram para a população e nada.
Fulanizando os casos das três maiores empreiteiras do país:
A Odebrecht sustenta que nada fez de errado. Em outubro de 2014, Marcelo Odebrecht, disse o seguinte: “como diretor-presidente da Odebrecht S.A. venho a público manifestar minha indignação, e de toda a organização, com informações inverídicas veiculadas na imprensa, em prejuízo de nossa imagem”.
Também em outubro de 2014, a Camargo Corrêa disse que não havia “qualquer procedência” nas acusações feitas pelo Tribunal de Contas da União a respeito de obras superfaturadas na refinaria Abreu e Lima. Um mês depois, a Lava Jato encarcerou seu então presidente (Dalton Avancini) e então vice (Eduardo Leite). Neste ano, ambos passaram a colaborar com o Estado e a Camargo Corrêa aceitou uma multa de R$ 700 milhões.
A Andrade Gutierrez informou, em dezembro de 2014, que “todos os contratos da empresa com a Petrobras foram realizados dentro dos processos legais de contratação”. Seu presidente (Otavio Azevedo) vendera uma lancha a Fernando Baiano por R$ 1,5 milhão, mas tratava-se de uma operação de CPF para CPF. Em junho, Azevedo foi preso e, em novembro, a Andrade Gutierrez passou a colaborar com o Estado e aceitou uma multa de R$ 1 bilhão.
Empresas desse tamanho não brincam com dinheiro. A teoria do CPF x CNPJ da doutora é empulhação. Se a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez resolveram desembolsar R$ 1,7 bilhão, elas sabem que os delitos não foram cometidos por pessoas físicas
A colaboração da Camargo e da Andrade é uma boa notícia. Não se pede muito, apenas que peçam desculpas por terem mentido, pois foi exatamente a arrogância e o faço-porque-posso que arruinou seus CNPJs e levou seus marqueses para a cadeia.
Elio Gaspari – Folha de São Paulo