Leio no colega Mauricio Stycer que a TV a cabo será o novo telefone fixo. Ou seja, está a caminho do céu. Má notícia para os que, como eu, ainda veem nela uma alternativa aos programas de auditório civil e religioso que infestam a TV aberta. O telefone fixo, por sua vez, já é um fóssil paleozoico contemporâneo dos cefalópodes.
Nada como o avanço da tecnologia para redefinir as relações sociais. Há décadas na praça, acumulei uma razoável quantidade de amigos com quem continuei mais ou menos em contato pelos canais convencionais —telefone, email, telegrama, uma ou outra carta e, em caso de viagem, o querido cartão postal. Mas todos esses amigos devem ter se mudado para a Zona Fantasma, porque telegramas, cartas e cartões postais são coisas que não recebo há 20 anos. E só agora me dou conta de que também não os envio, donde, para eles, já devo ter sido despachado, idem, para a Zona Fantasma.
Estamos aprendendo a dispensar coisas que até há pouco eram corriqueiras no cotidiano. Faz tempo que, por falta de ofertas, não compro um CD ou DVD. Por sorte, ainda tenho milhares, mas não sei até quando existirá equipamento para tocá-los. Farão companhia à minha pequena coleção de espátulas —facas de osso ou madeira com que se abriam livros que vinham com os cadernos fechados e hoje servem de decoração, ao lado de uma borracha, um mata-borrão e uma caneta-tinteiro. Falando nisso, a Bic, que quase aposentou as lindas Parkers, também está hoje em perigo. C’est la vie.
Há pouco, na rua, perguntei as horas a uma jovem com um relógio de pulso. Em vez de consultá-lo, ela tirou do bolso um celular e olhou para a tela. Eram 9h30. Seu relógio deve estar na categoria de seus brincos e pulseiras.
No futuro, quando escavarem o Leblon, os arqueólogos me encontrarão acoplado a um telefone fixo e a uma TV, e precisarão de uma bateria de reações químicas para determinar a qual era pertenci.