A triste e deprimente história do maior goleiro da seleção brasileira de futebol
Casos de jogadores de futebol que serviram às ditaduras são conhecidos.
Para ficar em apenas dois envolvendo jogadores famosos e ainda na letra A, temos Andrada (1939-2019), goleiro argentino que brilhou no Vasco e sofreu o milésimo gol de Pelé, e Augusto (1920-2004), zagueiro também do Vasco, capitão da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1
O primeiro morreu estigmatizado pela acusação de ter sido agente da polícia política argentina durante a ditadura e participado do sequestro e morte de dois opositores do regime. O segundo fez carreira bem-sucedida como policial ao chegar à chefia da Secretaria de Censura durante a ditadura brasileira. Tem também o caso de Didi Pedalada, mas esta é outra história.
Nem por isso é menos estarrecedora a denúncia do ex-deputado Adriano Diogo, que comandou a Comissão da Verdade de São Paulo, sobre a colaboração de Gylmar dos Santos Neves, goleiro revelado pelo Corinthians, bicampeão mundial pela seleção brasileira em 1958/62, e pelo Santos, em 1962/63, com a ditadura.
Diogo esteve preso por 90 dias na delegacia da Operação Bandeirantes, na rua Tutóia, por triste ironia no bairro do Paraíso, em São Paulo.
Ele conta ter visto várias vezes aquele que é considerado o maior arqueiro da história da seleção nos corredores da delegacia, incluindo naqueles onde se torturavam e matavam opositores do regime.
“Os carcereiros se referiam a Gylmar como o ‘despachante do DOI-CODI’”, disse Diogo à coluna. Gylmar tinha uma pequena agência de automóveis e tratava de legalizar a documentação dos carros utilizados por presos, para uso da polícia política.
A atividade acabou por lhe render uma concessionária da General Motors no bairro do Tatuapé, por meio da qual Gylmar obteve permissão para vender veículos, Opalas e Chevettes, isentos de impostos a militares e delegados.
Diogo diz que o uso de peruas Veraneio, da GM, pela polícia política brasileira, e carros Falcon, da Ford, pela da Argentina, fizeram parte do mesmo esquema colaboracionista.
Gylmar era cunhado do deputado Ricardo Izar (1938-2008) e pelo menos três fontes da colônia sírio-libanesa, que ambos frequentavam, confirmam relatos feitos por ele sobre torturas e até cadáveres que teriam visto na delegacia.
E por que só agora tudo vem à tona?
Porque o nome de Gylmar voltou ao noticiário em função da condenação de seu filho, Marcelo Izar Neves, 55, a um ano de prisão, pena revertida para serviços à comunidade, por agressão e injúria racial a um vizinho judeu.
Marcelo, que é dono de camarotes em 11 estádios de futebol, entre os quais os dos quatro grandes paulistas, se desentendeu com o vizinho em condomínio no Morumbi e gritou: “Por isso que os judeus se foderam na vida. Hitler estava certo, a raça de vocês, judeus, não presta”.
A surpresa causada por envolver o filho de alguém com imagem pública intocada fez com que aparecessem relatos de pessoas que não se surpreenderam, entre elas o ex-deputado Diogo, que testemunhou aquilo que outras fontes até julgavam ser conversa da garganta para fora, para mostrar proximidade com o poder.
Não é a primeira vez, e oxalá seja a última, que a obrigação profissional se sobrepõe ao desejo e ao sentimento do jornalista.
Gylmar dos Santos Neves era meu ídolo, desde a infância.