Devo, só nego e não pago 24 de abril de 2024

O presidente de Portugal, Marcelo Rebello de Souza, diz que o país tem dívida histórica com o Brasil.

Rebello entende que Portugal deve pagá-la, mas não diz qual, nem como. Ele pensa no tratamento escracho dispensado aos brasileiros que migram para Portugal, lá tratados como lixo, discriminados social e economicamente. Sabe que isso não resolve, pois fala do velho e forte preconceito do país colonizador contra os colonizados que aportam à metrópole. Conheci isso em 1975, logo em seguida à Revolução dos Cravos. Naquela época, os brasileiros que aportavam a Portugal eram diferentes dos que hoje lá vivem, residentes e trabalhadores; em 1975 fugia-se da ditadura brasileira; nos anos 2000 foge-se da miséria brasileira; em 1975 os brasileiros chegavam na terrinha, graduados e doutorados; agora chegam como trabalhadores de baixa extração, pobres – e com o labéu da cor entre o pardo e o seminegro, feito os imigrantes ilegais latino americanos nos EUA.

O preconceito não se elimina por decreto, nem ordem judicial e delegado de polícia esclarecido têm força contra ele, seja no Brasil ou em Portugal. Então é melhor pensar na verdadeira dívida histórica, a do ouro, que daqui foi extraído para pagar a proteção que Portugal recebia da Inglaterra, na qual despejava o metal para pagar o luxo e o consumo da nobreza portuguesa. Essa a dívida real, impagável. Primeiro, porque nenhum país colonizador ressarce com ouro o ouro que apropriou em séculos de dominação. Segundo, porque Portugal, por melhor que esteja, não tem ouro para tanto; tivesse, é moeda carimbada para as transações internacionais. O presidente não teme o ouro que os portugueses devem, mas o ouro que os brasileiros o brasileiros estão a tirar de Portugal – para usar a prosódia lusitana, que privilegia o particípio ao invés do gerúndio, este uma dívida dos brasileiros com os africanos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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