Do marasmo sem rumo ao rumor sem movimento

Às vezes, diante de um sinal vermelho, de um impasse metafísico, de uma barreira topográfica, de uma mulher indecisa, de um acidente geográfico, de um cão feroz ou de uma crise política (ou de qualquer permutação entre tais limites: uma mulher vermelha, um cão indeciso, uma política feroz etc ), às vezes um homem pára. Pára e esquece que pode seguir adiante, mesmo que nem avance. E se você diz que as liberdades de movimento andam restritas, que o direito estabelecido de ir-e-vir já foi ou já era e que lhe falta o senso de medida da sua vontade, peraí ô paradão. Você tem opções, o homem é o que escolhe – não é o que dizem dos que escolheram mal? Pra não capitular, recapitule.

Quanto à direção, todo homem pode, basicamente, andar em qualquer direção. Para definir o próximo passo ou evitar desorientação na locomoção, não custa lembrar alguns rumos: você pode desde a esmo, pra lá e pra cá, até andar reto, pra frente ou pra trás. Só aí você já tem dois sentidos contrários, o que contraria o imperativo sem retorno ou o recuo compulsório. Quer dizer, espaço suficiente pra alternar atos de bravura, de firme determinaçăo e até de demonstrações de prudência.

Pros lados: aqui estăo imensas possibilidades, que alargam os horizontes laterais (não estranhe: horizontes ainda têm 360º ). Da esquerda à direita, e vice-versa, a vastidão não é só ideológica: sua porção-siri pode explorar territórios nunca dantes percorridos!

E a rosa dos ventos, completa, oferece inúmeras alternativas, desde os pontos cardeais norte, sul, leste e oeste, até os pontos colaterais e os sub-colaterais. Por eles você se espalha como andarilho de km ou peregrino a metro, em infinitas rotas.

Pra cima e pra baixo: subindo por onde se desce ou invertendo o lance, com certeza se chega além de onde se partiu; e de costas, se alcança aquém daí. Pro alto e pro fundo: é quase a mesma situação anterior, um pouco melhor explorada. E você vai acolá ou mais longe simplesmente ao selecionar advérbios de lugar.

Pra dentro e pra fora: aqui você se desloca com preposições, E não há nada que o mantenha encerrado ou barrado em portas se a linguagem é sua. Em círculos: é doidice gastar esse tipo de pernada, mas eu não seria doido de excluir a expansão da sua experiência libertária.

Quanto à posição, você pode andar de todo jeito, conforme a dignidade exige ou a mediocridade aceite: ereto, curvado, agachado, de quatro, engatinhando. Se você não é cartesiano, siga em zigue-zague, em curvas, sinuosamente. Perpendicular ao meio-fio ou em diagonal às calçadas também permitem de exibição da capacidade de fugir às normas.

Quanto à velocidade, experimente a variedade à disposição: depressa, rápido, calmo, devagar, lentamente. Você pode trotar, marchar e acelerar e correr, pular, saltar; tudo isso são modos de vencer a inércia, cê sabe.

Todos estes exercícios do livre-arbítrio têm áreas próprias e até as impróprias servem se você não é servil: de assoalhos a chão batido, de tacos a tábuas, de carpetes a tapetes, de asfalto a paralelepípedos, e um etc que não acaba mais.

Quanto ao nível da sua caminhada ou passeio, depende do trajeto, se seu roteiro passa pela campanha ou pelos Andes. Entre aclives e declives, você encontrará planos e planícies, ladeiras pra riba e lombas abaixo. Você decide.

Quanto à paisagem urbana, você pode se meter por ruas, vias, vielas, avenidas, becos, alamedas, perimetrais, bulevares, free-ways, pistas, calçadas, calçadões, praças, parques, ágoras (não pra quem tem agorafobia), pátios, quintais e, quem diria?, o box do seu WC.

Não tá entendendo nada? Não sabe pra onde vai este texto? Ora, caro internauta, o Brasil tá na mesma situação – imobilizado por um marasmo político – e você espera logo de mim alguma saída dinâmica? Bão, o que me ocorre é: se os membros superiores do Congresso e do Governo não se movem, quem sabe nossos membros inferiores possam sair por aí?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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