Dois mil e crise

“Creio que, se uma crise quiser mesmo impressionar os portugueses, vai ter de trabalhar a sério”, disse o Ricardo Araújo Pereira, sobre a crise portuguesa. “Um crescimento zero, para nós, são amendoins. Pequenas recessões comem os portugueses ao pequeno-almoço.”

O dólar chegou a quatro reais! Ai, meu Deus! E agora, Brasil? Não estamos acostumados com essa crise toda! Calma aí: quem não estamos?

Quem ouve a lástima de um brasileiro talvez acredite se tratar de um norueguês. Parece que o sujeito viveu séculos de bonança bruscamente interrompidos por um fenômeno estranho chamado pobreza, certamente inventado por um governo de esquerda.

Quem se choca com uma moeda desvalorizada ou não é brasileiro ou tem a memória muito curta. Do alto dos meus ralos vinte e nove anos lembro perfeitamente de levar um calhamaço de notas –isso mesmo, jovens, um calhamaço, isto é, um bolo, quiçá uma resma de notas– para comprar uma revistinha do Cascão (no Rio, chamávamos gibi de revistinha). Lembro de perceber que tinha mais notas na mão do que páginas na revista. Ou seja: financeiramente, era mais vantajoso ler notas do que gibis. Ainda assim, preferia ler gibis. Já nessa época pertencia à esquerda-almanacão-de-férias.

Quem está chocadíssimo com escândalos de corrupção certamente não estava por estas bandas durante as últimas décadas. Imagino que não tenha ouvido falar em Collor, Privataria, Anões do Orçamento, Banestado ou na Compra da Reeleição de FHC (caso o nome do escândalo não seja autoexplicativo, cabe a mim explicar: a reeleição de FHC foi comprada. E ficou por isso mesmo). Para os que estão com preguiça de pesquisar no Google, vale lembrar que, nos mesmos anos FHC, o famigerado Renan Calheiros era o ministro da Justiça. Isto é: representava a ética do país. Renan fucking Calheiros.

Quem pensa em ditadura militar e lembra de um período de progresso deve gostar da ideia de ter a boca amarrada a um cano de descarga. Eu não gosto dessa ideia. Mais do que isso: me dá aflição. Sou meio fresco quando se trata de tortura.

Quem pensa em Getúlio com carinho deve ser parente de Getúlio.

Quem pensa no Brasil Império com carinho certamente não era negro.

São tempos de vacas magras, sem dúvida. Mas a dieta das nossas vacas nunca foi muito calórica. Qual é, então, a grande novidade?

Itaú e Bradesco engordaram lucro recorde no primeiro semestre de 2015. Sim, recorde. Na crise. Talvez esta seja a novidade: as vacas gordas nunca comeram tanto.

gregorioduvivierGegorio Duvivier – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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