Laura e Joice contra o vento

Dona Laura mudou-se de novo; saiu uma vez porque o apartamento era frio, ficou um tempo fora e não sossegou até comprar o apartamento quente aqui mesmo. Morar em Curitiba requer a sorte de cair no lado norte ou no lado sul; no primeiro a casa é quente, no outro é fria. Pior que o curitibano, como o brasileiro em geral, não se orienta pelos pontos cardeais, como a gente vê qualquer imbecil fazendo em filme americano. O norte e o sul são leros de corretor para empurrar imóveis – que, melhores que sejam, dia mais dia terão o espigão a tirar-lhes o sol, pois Curitiba tem dono, os especuladores imobiliários e os donos dos ônibus que contratam prefeitos e vereadores para o serviço sujo. Dona Laura caiu nessa e veio para cá, saiu e voltou. Uma mulher, diziam, de mal com a vida, solitária, azeda, barraqueira; para mim um doce de pessoa, interessante e engraçada em estado de repouso e melhor ainda quando adotou o pincher, substituto da filha que se mandou para a Bélgica.

Venci a prevenção contra Guarapuava graças a dona Laura. A prevenção vinha da universidade com os cascas grossas barulhentos do centro acadêmico. Dona Laura, casca grossa fascinante, conquistou-me no aparte durante a reunião do condomínio: “não se meta comigo que sou de Guarapuava; lá as mulheres mijam em pé contra o vento e não molham as canelas”. Muitas vezes compartilhei o elevador com dona Laura. Um dia ela me peitou com a pergunta: “por que você fica olhando meus tornozelos?” Inventei uma desculpa, estava curioso com o efeito ventania. Tenho medo de cascas grossas, sou mais a hipocrisia curitibana; saí assim de dentro de minha mãe, ao contrário do presidente Lula, que nasceu valente e destemido, cangaceiro, peixeira na mão petista que se abre nos acordos com o Centrão. Vim de Ponta Grossa, filho de mãe meiga, delicada. Em Ponta Grossa, casca grossa como dona Laura só tem uma: Joice Hasselmann, que mijou contra o vento e saiu ensopada.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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